sábado, 29 de junho de 2013

Tempo de mim

Deslizam nuvens nos lenços do meu vestido
 
folhos rubros em dia pardacento
 
é um dia gigantesco este
 
em que se desfolham folhas de vida
 
nos versos que pela noite se vão erguer
 
e renascer fervilhando em tertúlias de poesia
 
cantando um Porto cinzento sim
 
mas poético e glamoroso
 
e é nesta alegria que me encanto e desço
 
e troco cumplicidades com a vizinha
 
que afinal mal conheço
 
os rostos agarram a frieza do betão e a pressa
 
não se compadece nem espera que a vida
 
se solte desinibida, confiante em desabafos
 
esparsos e breves sentires
 
o sol começa a aquecer e a assomar-se no olhar
 
e como um cálice de vinho fino que partilhássemos juntas
 
os olhos brindam a alegria deste encontro
 
o primeiro na escada derradeira
 
e perco a pressa, deixo-me estar
 
estou aqui por pouco tempo, mas é sempre tempo
 
de sermos gente, de nos olharmos e vermos
 
que afinal abrandar o passo pode ser um passo em frente
 
e eu hoje que tenho pressa demoro mais um pouco
 
porque tenho sempre tempo para mim
 
e é quando me dou que eu me pertenço

Teresa Almeida
 
(in Antologia da Moderna Poética Portuguesa)
 

sexta-feira, 28 de junho de 2013

hoje apetece-me cantar


fiquei demorando o olhar
para perceber o que se está a passar

Duce ou Dulcineia tanto faz
não rasgues os teus versos querida
não faças chorar a alma da gente
o verso é a própria vida

hoje apetece-me cantar
como o rouxinol na noite perdida
por ti vou cantar baixinho
gemer de amor e saudade
soltar rimas em liberdade

e nos versos tristes de Florbela
deixar sonhar D. Quixote

perseguir moinhos de vento
com ousadia
a galope

Teresa Almeida

terça-feira, 18 de junho de 2013

Deixa-me ficar


 Senti fremente o teu apelo
leve rodopio em meu ser
furtiva promessa divina

eu quero deste jeito sagrado
eu quero o teu querer

Deixa-me subir embriagada
ao meteórico instante
ao alto da palavra

Deixa-me lá ficar
suspensa no teu toque preferido
em sintonia melódica
contigo

Teresa Almeida


 

 

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Tudo é voz e caminho


 

                                                 Foto de Manuel Pires
 

É para lá dos montes que se ergue um comando destemido 

a exorcizar o medo 

um traço rápido e ajustado de pedra afiada

ninguém tem a última palavra.

Na incerteza buscam-se os astros 

na rudeza do percurso, na avalanche da desgraça

tudo é voz e caminho.

É na convulsão que entra o movimento.

Renascidos no espanto e na esperança 

irrompe a energia, a evolução 

apoteose de vida. 

Firmeza na ação, elegância no gesto.
 
 
Teresa Almeida
(in "Antologia da moderna poética Portuguesa)