terça-feira, 3 de janeiro de 2023

MEMÓRIA DE UMA DÉCADA





BALBINA MENDES


A artista plástica Balbina Mendes é nordestina, de Malhadas - Miranda do Douro (1955). Cedo conheceu a dureza do trabalho e maturou uma vontade desenfreada de mudança e de progresso. Nas leituras que, à época, a Biblioteca Itinerante Calouste Gulbenkian proporcionava, encontrou o húmus de um visceral impulso cultural. Conseguiu o apoio do pai, emigrante na Alemanha, e enveredou pelos caminhos do saber. Consta da sua biografia que “possui mestrado em Pintura pela Faculdade de Belas Artes. Vive e tem atelier em Vila Nova de Gaia. Realizou diversas exposições individuais em Portugal, Espanha, E.U.A, Bélgica, Áustria, Austrália e Índia. Participou em dezenas de exposições coletivas. É membro da Sociedade Nacional de Belas Artes, da Cooperativa dos Artistas de Gaia e da Cooperativa Árvore. Está representada em várias coleções públicas e privadas em Portugal e no estrangeiro.” É autora de várias capas de livros, tendo dado rosto à Antologia da Academia de Letras de Trás-os-Montes “ROSTOS DE TERRA”.

Professora de profissão, festejou o entusiasmo e a satisfação nos olhos dos alunos. E a sua narrativa pictórica vai acontecendo. Evoca a paisagem e recria a vida no campo em vertigens de exuberância e nostalgia. A terra de Miranda é substrato que a impulsiona, o lugar de onde sai sem nunca ter saído. A luz da candeia nunca a abandonará. Estriba-se nas raízes de uma cultura ancestral onde palpita a amerosidade de uma língua que já se falava nos alvores da nacionalidade - a língua Mirandesa. Na verdade, são cada vez mais os que a amam, a falam e divulgam. Nos seus livros imagem e palavra complementam-se e é um gosto renovado encontrarmos reflexões poéticas de Miguel Torga, António Machado, Unamuno, Amadeu Ferreira, Fernando Pessoa e outros. 

Na expressão da artista transmontano-duriense ecoam as potencialidades da sua origem raiana, de geografia planáltica e abrupta, As águas vivas do rio Douro são caminho de persistência, de salto, de apego e de imparável busca. E, como o rio, é inquieta e vive uma aventura entre “vagas e vagas sideradas e hostis” (Torga 2005), olivais e laranjais, socalcos de vinhedos, segredos e remansos que entrega na intimidade das tintas e dos pinceis. A autora enaltece e eterniza a beleza e riqueza das margens do Douro, vivências, cultos, tradições, traços comuns entre Portugal e Espanha. Abraça o rio da nascente à foz, exalta-o e acrescenta-lhe a sua própria comoção. Deste modo, Balbina Mendes inscreve o seu nome na história impetuosa deste rio, factor de desenvolvimento, de aproximação e, merecidamente, património da humanidade. 

Na pesquisa da artista emerge o protagonismo da máscara como elemento identitário partilhado pelos dois povos fronteiriços. Assim, articula o passado e o presente, valoriza e dá visibilidade cromática às festas de inverno e aos rituais a que estão associadas. E aposta no potencial das festas dos rapazes e dos caretos, força simbólica que marca a sua poesia visual. Poder mágico com forte expressão na pintura de João Vieira e Graça Morais. Também António Pinelo Tiza (2013) refere, nos seus estudos, o carácter iniciático, as funções profiláticas, a luta dos opostos, o culto da fertilidade e o caráter sagrado da máscara. Uma experiência de poder, de espanto e de intervenção social. 

É intemporal o fascínio das máscaras, um campo cultural intangível que a pintora trabalha e vai metamorfoseando Uma linguagem pujante e diferenciada cuja visibilidade poderá ter o mérito de ajudar a revitalizar a região. 

Consciente do valor antropológico, arqueológico, sociológico e simbólico, como refere Domingos Loureiro, Balbina continua a desenvolver a temática onde a memória é estribo e impulso. Revisita, relança e ensaia um voo mais profundo assente num universo fascinante: O ROSTO, MÁSCARA INTEMPORAL, que corresponde a um projeto de cariz científico, iniciado em ambiente académico. 

A artista, alicerçada na magia da ancestralidade, ousa imprimir o seu traço contemporâneo. Expõe-se, analisa, invade, desmonta, cria e recria. E sobre a máscara surge o rosto. O rosto é máscara, afirma a autora. “Percebe-se que o caminho já não passa pela simplicidade formal de nos colocarmos por trás da máscara, como muitas personagens anteriores, mas de colocar o Rosto ao nível da Máscara, e a Máscara ao nível do Rosto.” (Domingos Loureiro / 2021). O vidro acrílico é, simultaneamente, máscara, poema, reflexo e porta de várias transfigurações. E, neste baile de emoções, o observador, como num passe de mágica, sente-se motivado a entrar, para logo de seguida se sentir expulso. Balbina implica-nos nesta viagem. O diálogo é permanente entre a máscara, o rosto, a palavra e o observador. E, mais uma vez, Fernando Pessoa, o poeta que teve o engenho de se desdobrar em várias personalidades, é convocado a esta plêiade de emoções. A pintura também se aprende, diz a autora. De olhar arguto, perscruta o sentir do observador. Importa-lhe o diálogo e a interação. 

Na verdade, visitar uma exposição é ter a oportunidade de tomar o pulso a um específico sinal de libertação. 

A obra de Balbina é, marcadamente, simbólica, e quem lhe segue os passos é apanhado em ondas de espiritualidade e de incontornável lirismo. A arte faz história ao aportar um mundo surpreendente e o desafio é, para a pintora, uma inevitabilidade. 

Teresa Almeida Subtil


LIBERDADE