quarta-feira, 20 de outubro de 2021

Tresmalhada Ternura




Um corso galgou a colina, em três ou quatro saltos, com elegância e velocidade. Nem deu tempo para o desejado registo fotográfico, mas o instante ficou gravado na memória, como uma prenda aos amantes da natureza. São terras da lombada, pródigas em perfumes de arçã e tomilho e aves pousando ao de leve. As rosas-de-lobo, com pétalas de puríssima seda, estavam no auge.

Depois da curva, era possível ver pegadas de cabra selvagem, bem marcadas pelo peso e pela pressa. Enquanto os caminheiros prosseguiam entre conversas e gargalhadas, um som de desassossego captou os olhares. E na clareira, a breves passos, assistiram ao sagrado momento do nascimento, entre estebas e rosmaninhos.

No meio do espanto, a cadela Violeta precipitou-se e o Pedro foi-lhe no encalço; pegou a chiba (assim lhe chamaram) ao colo – com infinito carinho - e voltou a colocá-la na cama que o destino lhe traçara. E a chiba fez a sua primeira corrida, mal se segurando nas pernas. Julguei ver (sem olhar) lágrimas de tresmalhada ternura. A desatinada Violeta talvez tivesse estropiado o recém- nascido, se lhe tivessem dado tempo. A mãe devia estar embrenhada na floresta, bem perto do receio e do apego.

 E o grupo prosseguiu a caminhada em comovido silêncio.

E do silêncio rompe o poema:

 

 Raiç d'arçana (Lhéngua mirandesa)

 

 Eiqui la palabra ye nial

Raiç d'arçana

Passo stribado

Beiso, seda puríssema

Floresta a oulear

Nuite atrecida

Albura a spigar l die

Zassossego

a spicaçar la chama

Risa a las braçadas

Abraço a cheirar a tomielho

Spiga antalisgada

Amor renacido

An tierras de la Lombada.


 Teresa Almeida Subtil

(Poema premiado em Versos de Amor de Manuel António Pina, Concurso - Museu Nacional da Imprensa/2020)

 







 

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LIBERDADE