Os livros nascem e crescem connosco e, assim, somos o
próprio livro. Acredito que têm inscrito o nosso ADN.
A propósito de um texto meu sobre a apetitosa bola doce
mirandesa, um poeta brasileiro, que muito aprecio, Pedro Luso, desafiou-me a
escrever sobre meus livros. É curioso que a minha primeira publicação acontece,
precisamente, numa antologia luso-brasileira, através da Editora Sapere, no Rio
de Janeiro. A seguir participei em várias. Entendo ser a poesia uma forma
privilegiada de comunicar e só cumprirá esse desiderato se for lida, dita ou
cantada. Algo que cativa e provoca. Nada acontece por acaso e senti o desafio
como possibilidade de autoanálise. Agrada-me esta ideia de diálogo comigo
mesma. Bem sei que Pedro Luso queria saber das experiências que vivi ou dos
sentimentos que experimentei ao publicar livros – apenas dois atá à data. Mas
agarrei a ideia como caminho mais alargado.
De cariz autobiográfico é o meu primeiro livro. Nascido,
à beira-rio, cresceu em regaços de arribas e em cordões umbilicais que se
materializaram pela vida fora. Lembro-me de voar enquanto dormia. É a ideia
mais clara e mais antiga que tenho, acrescida das primeiras brincadeiras de
rua, das descobertas no quintal da avó, dos primeiros questionamentos, das
primeiras afeições...
Há dias encontrei
uma amiga com a qual cresci no colégio da Imaculada Conceição, em Lamego.
Estávamos num funeral e não conseguíamos parar de partilhar abraços. Nasciam na
espontaneidade e na alegria do reencontro. Não há amizades comparáveis àquelas
que construímos enquanto crescíamos.
Só escrevemos pela necessidade de guardarmos as memórias
que nos cresceram e outras que dizem da busca e da perplexidade, do desassossego…
Escrever é, realmente, um ato de amor e de libertação. Como se as palavras
saíssem das pedras rasteiras, acariciadas por águas ribeirinhas e outras rasgassem
os céus, como agulhas de catedrais.
Chamei OUSADIA ao meu primeiro livro, por corresponder a
um rasgo de alma e por ter tido a coragem de submeter a
concurso meus íntimos escritos.
É certo que as palavras se intrometem, se baralham e
digladiam. São, naturalmente, inquietas, parecem querer dar testemunho da vida que
as faz ferver. Têm urgência de entrar em cena e saem de todos os lugares para
construírem um corpo único, versátil e universal. Hesitantes, bailarinas, sofridas
ou estrelas da manhã expandem-se de modo a imprimirem uma dinâmica sem sinais conclusivos.
Logo outras se insinuam, borbulham e se fazem ao largo …E eu tremo, mas não
vacilo. Escrevo com a força do olhar e do sorriso que herdei. Força que
pressinto como se as palavras se beijassem nos bicos das aves do meu vale, rebentassem
da pele dos frutos maduros ou escorressem de lábios sedentos, no pino do verão.
Nelas verto perfume, paladar e emoção. Apraz-me citar aqui Conceição Lima: Juntemos fragas, giestas, torgas,
rosmaninho, cardos e alecrim. Com isso, Teresa Almeida Subtil constrói o seu
ninho. Depois, aconchegada, olha as arribas, o Douro e o Alto. Ensaia o voo.
Sobe. Atinge as alturas das águias. Do alto, olha, perscruta, escuta, ouve a
terra, o chão, o SEU CHÃO, eterno apelo. Faz do voo, planado ou a pique o seu
constante desafio! Em mirandês, explica a cartografia dos seus refúgios – TERRA
E CÉU.
Sou raiana, de janelas escancaradas, sem fronteiras, sem
preconceitos e, ainda que os olhos piquem afetados pelo cansaço, as palavras
não ousam adormecer. E acrescentam vida à própria vida, melodia que recolhi nos
passos que dei, nos livros que li e nas pessoas com estrelas no olhar. Poderão
ser ribeiros que não nadei, águas que não bebi, mas amei… Elas navegam em
desejo e ganham vida própria. E eu quero-as soltas … por aí …
Teresa Almeida Subtil
Teresa Almeida Subtil
(continua)