A melodia da passarada é sempre nova.
Já havia uma brancura a brilhar junto à árvore,
parecia espreitar as brincadeiras.
Era o primeiro malmequer!
Vi-o e amei-o ao saltar
e não me saiu do pensamento.
Desenhei-o num papel e escrevi-lhe segredos.
Pintei-o às escondidas, entre as corridas
que não queria perder. Levei-o para casa.
Minha avó espreitou, gostou e perguntou:
é para mim, meu amor? E assim, esta flor,
tão singela e bravia, tinha as cores do dia
e por dentro a beleza do sol e do amor.
De repente tive outra ideia:
e se eu pintasse outro malmequer para o meu avô?
E para os meus amigos?’ Ah! meus queridos,
naquela folha branca e limpa parecia
rebentar a verdadeira Primavera. Festiva.
O sol acertou-lhe em cheio e o tom do meio
mostra agora o riso dos meninos no recreio.
E eu a correr como se voasse e criança fosse.
Sou avó. Já fui menina, professora,
mas apetece-me saltar e dançar como antes.
E ser primavera em cada gargalhada.
E flor de amendoeira branca e rosada
que a pomba trouxe no bico para entrar na roda.
Este esplendor que a natureza tece. Ah! como me apetece!
E sinto-me coroada de pétalas, cabelos soltos e perfumados.
Que o vento é apenas brisa, melodia e encantamento.
Todos os sentidos são ritmo no corpo de uma criança.
Que seria de tanta beleza sem os sons da natureza?
Onde guardaremos o silêncio? E a alegria? E a dança?
Vamos plantar árvores, aquelas que enfeitam o Natal
e se enchem de bolas vermelhas no rigor do Inverno,
e nogueiras para termos nozes ao serão, à lareira.
E durante todo o ano serão abrigo e encanto da pardalada.
E os patos lá no lago a deslizarem sem mácula,
como se o mundo lhes pertencesse. E pertence.
Será que espreitam as águas profundas,
a calmaria e o mundo de cada ser que as habita?
Diria que a felicidade é esta primavera a acontecer,
hoje e aqui, se a soubermos sentir.
E eu não sou eu
se não for onda roubada ao mar alto a desfalecer
e a beijar cada nesga de praia à beira-rio plantada.
E se não for voo de ave que o rio quer beber.
A poesia é vida, é tudo e nada, é o olhar que alcanças,
o sonho em que baloiças e os laços em que te soltas.
E ao entardecer pinta de novo, que a primavera continua
em todo o lado. Levanta o olhar e faz de conta,
sente a festa no céu, morna e avermelhada,
como se o dia fosse arder em beijos de despedida.
E a lua, feiticeira, começa a desenhar-se
Teresa Almeida Subtil
20.03.2017
Agrupamento de Escolas de Miranda do Douro