quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

A Barca dos sentidos/La Barca de ls sentidos

A barca dos sentidos

É quando a canção ganha ritmo
que o chão treme e o olhar foge,
o pensar é ave sem ninho
e os sonhos asas quebradiças
árvores a entardecer ao de leve.

O rio, esse, é ímpeto, poesia,
aperto, margem,
profundidade da sede
e impetuosidade do sentir.

 Eu não sei agarrar a nota perfeita
 nem o trilho, nem o lugar
nem sequer a barca onde
as sombras crescem esbatidas
e as cores dos versos sobem
nas rugas que a saudade escreve
e no medo que o dia se entregue
aos sonhos que ardem devagarinho
sem a dor da melodia que se extingue,
sem o fragor do poema por acabar.

Sou tema que o rio desbrava,
palavra insegura,
arisca canção de embarcar.



La barca de ls sentidos (mirandés)

Ye quando la moda ganha baláncio
que l suolo tembra i l mirar se scapa,
l pensar ye abe sien nial
i ls suonhos alas andebles
arbles a antardecer a pouco i pouco.

L riu, esse, ye apego, einergie,
aperto, borda, fundura de la sede
ye la poesie de l sentir.

You nun sei agarrar la nota porfeita
nien l lhugar
nien sequiera la barca adonde
las selombras médran zlidas
i las quelores de ls bersos chúben
nas angúrrias que la soudade scribe
i ne l miedo que l die s’antregue
als suonhos q'árden debagarico
sien l delor de la melodie que se apaga,
sien la fuorça de l poema por acabar.

Sou tema que l riu zbraba,
palabra sien arrimo,
spúria cantiga d'ambarcar.

Teresa Almeida Subtil
(in Rio de Infinitos/Riu d'Anfenitos)

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

O buraco da moura










O lugar era corpo inteiro. Alvoroço dos sentidos.
E a canícula do dia era ali que se despia.
Ao fundo a cicatriz e a sede. Santa a fonte,
incrustada no fragaredo. Eu apenas espreitava
a gruta profunda e escura. Amava a melodia
daquele fio de água. E a ternura tresmalhada.

E quando a tarde amolecia perdidamente
e os acepipes atiçavam a vontade, era ali
que se degustavam os melhores frutos do mundo.
Douro naturalmente. Nem os deuses resistiam.

E o verso é agora regresso, fralda de memória.
Desafio incontido. Vinho desarrolhado.
Mistério decantado. Linho estendido. Brancura imaculada.
Paz e espada. É fim de jornada, seda e frescura.

Pele macia, aveludada. Perfume e flor do dia.

Teresa Almeida Subtil

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

Proximidade / Achego


Proximidade

A música da palavra já era minha,                                                
o romance escrevia-se no vento
e o tempo entre nós tinha paladar
bebido a tragos de sofreguidão,
pensamento que o verão despia,
rio inteiro de entrega e poesia.

Ah! E aquela passada apaixonada
melodia, anúncio, proximidade.
Não direi que foi a noite mais bela
mas aquela em que senti estrelas
massajando meu corpo dourado,
corpo desperto num desejo louco.

Mais intenso, só aquele beijo,
aquela noite, aquele lugar,
arrepio do primeiro toque
incêndio do primeiro olhar,
e um desejo infernal de ficar.

  
Achego

La música de la palabra yá era mie,
L remanse screbie-se ne l aire
i l tiempo antre nós tenie gusto,
buído cun gana zmedida,
pensar que l berano znudaba
riu anteiro d'antrega i poesie.

Ah! I aqueilha chancada apaixonada
melodie, anúncio, achego.
Nun dezirei que fui la nuite mais guapa,
mas aqueilha an que senti streilhas
dondiando l miu cuorpo dourado,
cuorpo spertado nun deseio boubo.

Mais fuorte, só aquel beiso,
aqueilha nuite, aquel lhugar,
arrepelo de l purmeiro topar
ancéndio de l purmeiro mirar,





i ua gana anfernal de quedar.

Teresa Almeida Subtil