terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

A Seta de Cupido

 



Ninguém tem o som da tua voz

Nem a melodia, nem as réplicas profundas

Nem a cachoeira do amor

Nem os sobressaltos

Nem os silêncios .


Confundo-me e julgo que sou eu

a construir o corpo imenso do poema 

Num regato a florir.


E percorro-lhe a pele, as vértebras, os membros

Toco-lhe os dedos e os lábios flutuantes

Percorro-o inteiro e nu e convenço-me

Que escrevi o núcleo, o cheiro

E quase tudo.


 

E só na hora crepuscular

No fogo do azul profundo

 Surge a seta de Cupido

E a tua assinatura.


Teresa Almeida Subtil





terça-feira, 3 de janeiro de 2023

MEMÓRIA DE UMA DÉCADA





BALBINA MENDES


A artista plástica Balbina Mendes é nordestina, de Malhadas - Miranda do Douro (1955). Cedo conheceu a dureza do trabalho e maturou uma vontade desenfreada de mudança e de progresso. Nas leituras que, à época, a Biblioteca Itinerante Calouste Gulbenkian proporcionava, encontrou o húmus de um visceral impulso cultural. Conseguiu o apoio do pai, emigrante na Alemanha, e enveredou pelos caminhos do saber. Consta da sua biografia que “possui mestrado em Pintura pela Faculdade de Belas Artes. Vive e tem atelier em Vila Nova de Gaia. Realizou diversas exposições individuais em Portugal, Espanha, E.U.A, Bélgica, Áustria, Austrália e Índia. Participou em dezenas de exposições coletivas. É membro da Sociedade Nacional de Belas Artes, da Cooperativa dos Artistas de Gaia e da Cooperativa Árvore. Está representada em várias coleções públicas e privadas em Portugal e no estrangeiro.” É autora de várias capas de livros, tendo dado rosto à Antologia da Academia de Letras de Trás-os-Montes “ROSTOS DE TERRA”.

Professora de profissão, festejou o entusiasmo e a satisfação nos olhos dos alunos. E a sua narrativa pictórica vai acontecendo. Evoca a paisagem e recria a vida no campo em vertigens de exuberância e nostalgia. A terra de Miranda é substrato que a impulsiona, o lugar de onde sai sem nunca ter saído. A luz da candeia nunca a abandonará. Estriba-se nas raízes de uma cultura ancestral onde palpita a amerosidade de uma língua que já se falava nos alvores da nacionalidade - a língua Mirandesa. Na verdade, são cada vez mais os que a amam, a falam e divulgam. Nos seus livros imagem e palavra complementam-se e é um gosto renovado encontrarmos reflexões poéticas de Miguel Torga, António Machado, Unamuno, Amadeu Ferreira, Fernando Pessoa e outros. 

Na expressão da artista transmontano-duriense ecoam as potencialidades da sua origem raiana, de geografia planáltica e abrupta, As águas vivas do rio Douro são caminho de persistência, de salto, de apego e de imparável busca. E, como o rio, é inquieta e vive uma aventura entre “vagas e vagas sideradas e hostis” (Torga 2005), olivais e laranjais, socalcos de vinhedos, segredos e remansos que entrega na intimidade das tintas e dos pinceis. A autora enaltece e eterniza a beleza e riqueza das margens do Douro, vivências, cultos, tradições, traços comuns entre Portugal e Espanha. Abraça o rio da nascente à foz, exalta-o e acrescenta-lhe a sua própria comoção. Deste modo, Balbina Mendes inscreve o seu nome na história impetuosa deste rio, factor de desenvolvimento, de aproximação e, merecidamente, património da humanidade. 

Na pesquisa da artista emerge o protagonismo da máscara como elemento identitário partilhado pelos dois povos fronteiriços. Assim, articula o passado e o presente, valoriza e dá visibilidade cromática às festas de inverno e aos rituais a que estão associadas. E aposta no potencial das festas dos rapazes e dos caretos, força simbólica que marca a sua poesia visual. Poder mágico com forte expressão na pintura de João Vieira e Graça Morais. Também António Pinelo Tiza (2013) refere, nos seus estudos, o carácter iniciático, as funções profiláticas, a luta dos opostos, o culto da fertilidade e o caráter sagrado da máscara. Uma experiência de poder, de espanto e de intervenção social. 

É intemporal o fascínio das máscaras, um campo cultural intangível que a pintora trabalha e vai metamorfoseando Uma linguagem pujante e diferenciada cuja visibilidade poderá ter o mérito de ajudar a revitalizar a região. 

Consciente do valor antropológico, arqueológico, sociológico e simbólico, como refere Domingos Loureiro, Balbina continua a desenvolver a temática onde a memória é estribo e impulso. Revisita, relança e ensaia um voo mais profundo assente num universo fascinante: O ROSTO, MÁSCARA INTEMPORAL, que corresponde a um projeto de cariz científico, iniciado em ambiente académico. 

A artista, alicerçada na magia da ancestralidade, ousa imprimir o seu traço contemporâneo. Expõe-se, analisa, invade, desmonta, cria e recria. E sobre a máscara surge o rosto. O rosto é máscara, afirma a autora. “Percebe-se que o caminho já não passa pela simplicidade formal de nos colocarmos por trás da máscara, como muitas personagens anteriores, mas de colocar o Rosto ao nível da Máscara, e a Máscara ao nível do Rosto.” (Domingos Loureiro / 2021). O vidro acrílico é, simultaneamente, máscara, poema, reflexo e porta de várias transfigurações. E, neste baile de emoções, o observador, como num passe de mágica, sente-se motivado a entrar, para logo de seguida se sentir expulso. Balbina implica-nos nesta viagem. O diálogo é permanente entre a máscara, o rosto, a palavra e o observador. E, mais uma vez, Fernando Pessoa, o poeta que teve o engenho de se desdobrar em várias personalidades, é convocado a esta plêiade de emoções. A pintura também se aprende, diz a autora. De olhar arguto, perscruta o sentir do observador. Importa-lhe o diálogo e a interação. 

Na verdade, visitar uma exposição é ter a oportunidade de tomar o pulso a um específico sinal de libertação. 

A obra de Balbina é, marcadamente, simbólica, e quem lhe segue os passos é apanhado em ondas de espiritualidade e de incontornável lirismo. A arte faz história ao aportar um mundo surpreendente e o desafio é, para a pintora, uma inevitabilidade. 

Teresa Almeida Subtil


quarta-feira, 9 de novembro de 2022

Fui d'abalada


Depois de respirar fundo

E de me inundar de positividade,

Como é meu timbre,

Fui d' abalada

E aportei num sonho de madrugar.

 

Venci a guerra íntima

Respirei à janela

O sentimento da manhã.

E uma ínfima poção de felicidade

Circundava os pássaros

Que saltitavam ao meu olhar.

 

Senti as pingas e o perfume do verso

Ensimesmando o jasmim.

 

E ainda que a nostalgia rime

Com a ausência do melro

E de mágoa a brisa me esfrie

Abro a última rosa

Que colhi no teu jardim

E em cada pétala rasgo

As saudades que tenho de mim.


Teresa Almeida Subtil







sábado, 27 de agosto de 2022

Aos meus amigos

 


Por cada estrela

Que me bate no peito

Por cada sorriso

Que me alimenta

Por cada traço que me adivinha

Pelo sentimento

Que me sustenta

Por cada rasgo de luz

Pelo mistério da sombra

Pelo olhar que me traduz

Por cada sopro de vida

Pelo assombro

Pelo impulso

Pela amizade

Pelo amor

Pela saudade


Por ti

Por nós

Ergo a taça e brindo

Num arrojo

De fugaz eternidade.


Teresa Almeida Subtil 





sábado, 6 de agosto de 2022

ARA

 A voz nascia na tarde

Iluminura entre gestos

Sentires breves e soltos

Jeito de folha transparente

Onde olhos exultavam

E a palavra sulcava o ser

Luísa fazia acontecer 

A cor e a dor da terra arada

Luísa desatava o espanto

E em mim prendia-se o mar

E expandia-se o fascínio

De me dizer mulher

Ara como princípio e fim.


Teresa Almeida Subtil

(O meu preito a Ana Luísa Amaral
06/08/22)


 




domingo, 3 de julho de 2022

FESTAS DE SAN PEDRO - Zamora


 



E cá estou eu no meio das malvas, digo, no meio das bonecas. Nomeio as bonecas porque nunca delas me separei. Pronto, levo três. Para mim vai uma bailadeira, de cores vivas, já que “quem parte e reparte e não fica com a melhor parte, ou é burro ou não sabe da arte”. Em qualquer parede da casa ficam a falar do lugar e dos passos harmoniosos que damos. Pelo menos tentamos. Mas nem tudo são malvas cor-de-rosa, A minha mãe, que tanto gostava de rondar entre elas, fervê-las e usá-las para curar maleitas, havia de gostar desta altiva que surgiu, agora, entre as pedras do quintal.

As minhas duas bonecas reais são raianas como eu, e trazem enraizado este gosto de saltar a fronteira. Têm asas de liberdade como aves das arribas.

Zamora está muito chamativa com esta Feira da Cerâmica (a mais antiga de Espanha). De cerâmica e de alhos. Reúne vendedores de Pereruela, Moveros, Toro e de vários pontos do território de ”nuestrros hermanos”. A mostra de cântaros e outras antiguidades prendem a atenção dos visitantes e lembram pedaços da nossa própria estória. E quem não tinha uma cantarinha para ir à fonte? E quem não cantava com ela à cintura “cantarinhas, feitas do barro mais belo…?”

A Nor-noroeste da praça, Viriato (séc. II a.C.), líder militar, mostra o seu garbo. Foi o “terror romanórum”. Vale a pena perdermo-nos na neblina do percurso deste guerreiro, morto à traição. Sobre a cava de Viriato, em Viseu, também corre muita tinta, e o nosso herói surge envolvido numa aura de “ mistério, ideologia e romantismo histórico”.

Dele não se esqueceu o grande Camões (Os Lusíadas, VIII, estância 6)

Viriato sabemos que se chama,

Destro na lança mais que no cajado;

Injuriada tem de Roma a fama,

Vencedor invencível afamado;

Não tem com ele, não, nem ter puderam

O primor que com Pirro já tiveram.."

E, a rematar a tarde, sabe bem tomar uma bebida fresca, na esplanada da cafetaria Dolfos, e posso ir tomando o pulso ao dia, na minha agenda polivalente. Em Santa Clara ainda não se veem corpos bronzeados e vestidos airosos como antes da pandemia.

Por esta altura, já as mulheres gostavam de presumir.

E ala que se faz tarde! A cegonha que nos viu entrar, está à espera de nos ver sair.

 

Teresa Almeida Subtil 






sábado, 25 de junho de 2022

RONDA LAS DEGAS/ RONDA DAS ADEGAS

 RONDA LAS DEGAS


Pulas rugas pedies música i dança
Puial, cuntentamiento
I you juro culs pies ne l'aire
Q'a rundar naide se cansa
I quien nun beila por fuora
Beila por drento.

Chégan sbaforidos
Quieren la cultura ancestral
I la dega renace
Cumo streilha culgada ne l cielo
Ye un spácio cultural.

Las paredes fálan de l'antigo
De l persente
I ls bersos son naturales
Cumo l'auga i la sede
Ls quemidos i l bino
Rostro a rostro, piedra a piedra
I l cuorpo afeito al aire
Einamoramiento.

Ai, i l pan!
I la jarrica criada anho a anho
Guosto, chamariç, recordaçon.
La fiesta ye lhaço, proua
Agabon.







RONDA DAS ADEGAS

Pelas ruas pedias música e dança
Poial, contentamento
E eu juro com pés no ar
Que a rondar ninguém se cansa
E quem não baila por fora
Baila por dentro.

Chegam tresmalhados
Privilegiam a cultura ancestral
E a adega renasce
Como estrela pendurada no céu
É um espaço cultural.

As paredes falam do antigo
E do contemporâneo
E os versos são naturais
Como a água e a sede
As comidas, o vinho
E o corpo afeito ao vento
Rosto a rosto, pedra a pedra
Enamoramento.

Ai, e o pão!
E a caneca criada ano após ano
A festa é gosto, chamariz, recordação
Hossana!

Teresa Almeida Subtil


A Seta de Cupido