Para lá da cortina, para lá da vidraça
outras cortinas quase escondem a paisagem
e caem leve, docemente
Apesar da amargura que deixa adivinhar
não posso deixar de me deslumbrar
com a beleza dos fiapos de neve
que descortino para lá da vidraça
Sei que quando ela se levantar
arrastando 91 anos de beleza e graça
vai gostar de ver a neve para lá da cortina
e na lareira o fogo a crepitar
E o sorriso que adoro ver
num rosto de minha mãe
no meu eu vou ter
Ágil, bonita e leve levantava-se de manhã
a aquecer o leite, a fazer o lume e as torradas
porque as netas tinham que ir bem alimentadas
E sempre a resmungar lá iam despachando o pequeno almoço
Levantar-me primeiro que ela, foi o maior sinal
o sinal de que a vida a venceu
Quem acordava o meu sorriso era ela, a minha mãe
E agora olho através da vidraça
e parece que a neve foi um sonho derretido
no ninho do passarinho
abandonado no outono da figueira
Gostei tanto de o ver de flocos brancos enfeitado
junto ao quarto, para lá da vidraça
ELe que em tempo alto também madrugava
e em canto afinado abria ao raiar da manhã
a alegria que contagiava
Dou por mim a pensar nas mudanças da vida
Ela chegou agora mesmo
o sorriso e o riso abertos, oferecidos
tinha visto a neve e, com a chama de tempos idos, disse:
Ah! Estes rachos, tão fortes, não foste tu que os trouxeste!
Teresa Almeida 16.01.2011