Era quase noite quando passámos pelo
acampamento e trocámos acenos com os pinheiros verdes e aprumados de sempre.
Passava das 23h quando nos levantámos da mesa de jantar em frente ao Guadiana.
No dia seguinte passaria a vigorar o horário relativo às restrições impostas
pela Covid-19, e já não seria possível desfrutar calmamente do jantar, do
convívio e da maravilhosa noite de verão. O Algarve era, agora, a zona mais
permeável do país. Os ingleses deram à sola mais cedo do que previam.
Vai longe o tempo do acampamento. Não
era de finalistas, era apenas o apelo do mar. E demorávamos o dia inteiro para
ali chegar. Vem-me à ideia o espírito campista. Um chá à chegada era uma nota
de boas-vindas, um brinde aconchegante. E, no dia seguinte, um balde de
conquilhas como gesto de boa vizinhança de quem partilhava o chão, de quem se
aproximava no passo, no estendal, na mesa e na cadeira. As tendas enchiam o
pinhal de vida e alegria.
E quando se fala em Monte Gordo digo:
conheço, foi aí que a minha Guida deixou as fraldas. Com mais umas saídas à
Sanábria-Espanha, acabaram os acampamentos. Foi, no entanto, uma enriquecedora
experiência.
Com um tom moreno regresso a Miranda
do Douro, entre o JN, a Visão, alguns livros, plantas, malotes e esta repetida
vontade de poetizar as encostas ora verdes ora nuas do Marão. É uma serra que
me habituei a amar porque a atravessava ao crescer. As cicatrizes dos incêndios
custam a passar. Apesar disso, a poesia do Marão é intensa em qualquer estação.
E, como não vou ao volante, vou-me embrenhando em cada recorte de paisagem.
"Já passaste o túnel? ", pergunta a que deixou as fraldas no
acampamento. O túnel do Marão e a autoestrada
encurtaram distâncias. E de aeronave
Porto-Faro faz-se apenas em 45 minutos. E eu já não tomo enjomin, só um
ben-u-ron para aliviar a pressão nos ouvidos durante a aterragem.
A passagem pelo Porto na ida e no
regresso é um hábito gratificante. Desta vez pude participar - presencialmente
- num evento de arte grafite e arte poética. Eventos culturais entusiasmam e
enriquecem quem os promove e quem participa. É sempre preferível que sejam
presenciais, mas a pandemia provocou reuniões online, modalidade que veio para
ficar, com vantagens evidentes nalguns casos.
Ao alto das minhas hortênsias
esperava-me a lua e eu, reconhecida, aceno-lhe com beijos.
Quem vive em Miranda do Douro ou em
Lagoaça não tem fronteiras no olhar. Como o meu rio Douro que salta,
encolhe-se, esbraceja e espraia-se infinitamente. E, se lhe põem algemas, é
para saltar com mais força. Até chispa!