Não é muito habitual no Porto um clima tórrido como o de
14 de setembro último. Atravessar a Avenida dos Aliados fez-me lembrar o
deserto lá para os lados de Abu Symbel, onde só experimentei o calor às 8 da
manhã porque, a partir daí, já era impossível e o meu chapéu até era bem
abonado. Subi lá para os lados da Sé e contornei pela esquerda até aos portões
da Casa Museu Guerra Junqueiro, poeta, prosador, jornalista e político
português (1850-1923), “destacado
escritor do Realismo, movimento literário que reproduz a ação social e política
da segunda metade do século XIX”.
Por vezes sinto-me em casa, e este foi um desses
gratificantes momentos, não fosse eu de terras de Freixo de Espada à cinta.
Rui Fonseca e Ana Homem Albergaria apresentavam, então, o
seu livro de poesia, na simpática cafeteria, logo à entrada, do lado esquerdo.
Fiquei atenta e motivada pela temática. Adentrar esta poética é um caminho
aliciante. Criação que tem a sua origem na energia que Ana Albergaria imprimiu
à sua exposição de pintura, por onde perpassam preocupações existenciais. O
cruzamento da filosofia com a arte abriu, assim, portas à dialética da vida.
Folheio o livro e,
em olhar cruzado, surge a profundidade do tema que toca a criação, a
interrogação, a busca da felicidade, a ética, a liberdade … surge a poesia como
arte maior em que o ser humano se emociona, “se ergue e se constrói”.
Depois de desfrutarmos de um deslumbrante pôr – do- sol
no Passeio das Virtudes e de experimentarmos os sabores moçambicanos da casa da
tia Orlanda, encaminhámo-nos para a Feira do Livro onde nos aguardava o mundo
das descobertas.
Enfim…” o Porto é lindo de morrer!”
Teresa Almeida Subtil
Corpo de mulher
“Que olhas tu mulher
Por entre roupagens de esperança
Onde o verde clareia a mudança?
Ainda que visivelmente semicoberta
Em teu olhar arguto,
És suficientemente capaz de veres além
Muito além deste parco aquém
Por onde a dialética do caminho se move.
Que olhas tu?
O futuro em teus braços
A humanidade em
teu seio?
E o mundo inteiro no teu colo?
Ou será algo mais
Para além deste teu inusitado e advertido olhar
Com o qual me encontro todos os dias
E me acena com sorriso
Num apelo longe de ir mais longe?...”
Rui Fonseca pg 50
…
Cumplicidade Poética
Saberei sempre como te tornar cúmplice,
Nesta busca, quase insana,
Pelo que me transcende.
E quando não souber mais
Como te fazer refém dos meus sentimentos,
Então deixarei que afogues
Todas as palavras frias e sem sentido,
No mar das minhas lágrimas.
As outras,
As que se derretem em doçura
Como um beijo em lábios quentes;
As que se expandem em urgência de amor,
Transformando os padrões da nossa consciência;
As que gritam justiça, as que abraçam;
As que cantam a paz; as que dançam:
As que nos elevam a uma renovada existência;
Essas permanecerão dignas do teu nome: Poesia.
E tu e eu seremos nós, a coexistir na minha voz!”
Ana Homem Albergaria pg28