quarta-feira, 25 de setembro de 2019

Voz de Outono



Voz que nasce nos olhos, na boca, na expressão… Anuncia-se em ondas sedutoras e roça, com elegância, os galhos da minha árvore preferida, salpicada de flores imaculadas. Agita as folhas do livro no meu regaço. Aconchego o xaile suave, ainda de algodão, sentindo a primeira brisa a eriçar a pele, e deixo voar os cabelos com os pássaros. Apetece ficar e apagar o som dissonante que a vida teima em mostrar. A tua voz, agora molhada, enrola as pétalas mais coradas em coreografias íntimas, até as pousar e aconchegar. Perfeita a pintura da tarde, não fora a passarada dar umas bicadas de última hora. Nada é estático e a tela nunca termina, nem o teu sopro no meu ombro, nem o natural balanço da árvore que a aragem vai despindo... E eu desligo, desligo tudo o que me atropela e entrego-me à melodia ímpar - pura carícia outonal. Como se o instante fosse criação absoluta e fizesse de nós folhas aos folhos arremetidas aos vãos de escada onde se mordem frutos maduros. Tua voz é tempo,  chama e eco que percorre o alpendre da nova estação, pulsar poético a que a natureza se rende.

Teresa Almeida Subtil












sábado, 21 de setembro de 2019

Centelha Concupiscente


Na pele dos dias intromete-se a palavra
E a melodia que a embriaga.
Emerge pura na orvalheira
Como se feiticeira fora.
É terra, é povo, é dor e fantasia
Guelra efervescente.
E ao primeiro golpe de sol
Contorce-se, esgueira-se pela escarpa
E resvala em murmúrio de nascente.  
É centelha que ao poema se entrega
Concupiscente.

Teresa Almeida Subtil






domingo, 15 de setembro de 2019

Dialética / Caminhos de liberdade



Não é muito habitual no Porto um clima tórrido como o de 14 de setembro último. Atravessar a Avenida dos Aliados fez-me lembrar o deserto lá para os lados de Abu Symbel, onde só experimentei o calor às 8 da manhã porque, a partir daí, já era impossível e o meu chapéu até era bem abonado. Subi lá para os lados da Sé e contornei pela esquerda até aos portões da Casa Museu Guerra Junqueiro, poeta, prosador, jornalista e político português (1850-1923),  “destacado escritor do Realismo, movimento literário que reproduz a ação social e política da segunda metade do século XIX”.
Por vezes sinto-me em casa, e este foi um desses gratificantes momentos, não fosse eu de terras de Freixo de Espada à cinta.
Rui Fonseca e Ana Homem Albergaria apresentavam, então, o seu livro de poesia, na simpática cafeteria, logo à entrada, do lado esquerdo. Fiquei atenta e motivada pela temática. Adentrar esta poética é um caminho aliciante. Criação que tem a sua origem na energia que Ana Albergaria imprimiu à sua exposição de pintura, por onde perpassam preocupações existenciais. O cruzamento da filosofia com a arte abriu, assim, portas à dialética da vida.
 Folheio o livro e, em olhar cruzado, surge a profundidade do tema que toca a criação, a interrogação, a busca da felicidade, a ética, a liberdade … surge a poesia como arte maior em que o ser humano se emociona, “se ergue e se constrói”.

Depois de desfrutarmos de um deslumbrante pôr – do- sol no Passeio das Virtudes e de experimentarmos os sabores moçambicanos da casa da tia Orlanda, encaminhámo-nos para a Feira do Livro onde nos aguardava o mundo das descobertas.
Enfim…” o Porto é lindo de morrer!”

Teresa Almeida Subtil

Corpo de mulher

“Que olhas tu mulher
Por entre roupagens de esperança
Onde o verde clareia a mudança?
Ainda que visivelmente semicoberta
Em teu olhar arguto,
És suficientemente capaz de veres além
Muito além deste parco aquém
Por onde a dialética do caminho se move.
Que olhas tu?
O futuro em teus braços
 A humanidade em teu seio?
E o mundo inteiro no teu colo?
Ou será algo mais
Para além deste teu inusitado e advertido olhar
Com o qual me encontro todos os dias
E me acena com sorriso
Num apelo longe de ir mais longe?...”

Rui Fonseca pg 50
Cumplicidade Poética

Saberei sempre como te tornar cúmplice,
Nesta busca, quase insana,
Pelo que me transcende.
E quando não souber mais
Como te fazer refém dos meus sentimentos,
Então deixarei que afogues
Todas as palavras frias e sem sentido,
No mar das minhas lágrimas.
 As outras,
As que se derretem em doçura
Como um beijo em lábios quentes;
As que se expandem em urgência de amor,
Transformando os padrões da nossa consciência;
As que gritam justiça, as que abraçam;
As que cantam a paz; as que dançam:
As que nos elevam a uma renovada existência;
Essas permanecerão dignas do teu nome: Poesia.
E tu e eu seremos nós, a coexistir na minha voz!

Ana Homem Albergaria pg28


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terça-feira, 10 de setembro de 2019

Rente à telha


             
Abre-se a comoção da tarde
A navegar em vela branca e nua
E a ponte é suave abraço de mulher

A lua é beijo a brilhar na amurada
Por onde se espreguiça teu olhar
E o par que tropeça na calçada
Arrebata o rubor da flor

Rente à telha sucumbe o dia
Em arroubos de prazer.


Teresa Almeida Subtil


Museu romântico - Porto