Deslizam nuvens nos lenços do meu vestido
folhos rubros em dia pardacento
é um dia gigantesco este
em que se desfolham folhas de vida
nos versos que pela noite se vão erguer
e renascer fervilhando em tertúlias de poesia
cantando um Porto cinzento sim
mas poético e glamoroso
e é nesta alegria que me encanto e desço
e troco cumplicidades com a vizinha
que afinal mal conheço
os rostos agarram a frieza do betão e a pressa
não se compadece nem espera que a vida
se solte desinibida, confiante em desabafos
esparsos e breves sentires
o sol começa a aquecer e a assomar-se no olhar
e como um cálice de vinho fino que partilhássemos juntas
os olhos brindam a alegria deste encontro
o primeiro na escada derradeira
e perco a pressa, deixo-me estar
estou aqui por pouco tempo, mas é sempre tempo
de sermos gente, de nos olharmos e vermos
que afinal abrandar o passo pode ser um passo em frente
e eu hoje que tenho pressa demoro mais um pouco
porque tenho sempre tempo para mim
e é quando me dou que eu me pertenço
Teresa Almeida
(in Antologia da Moderna Poética Portuguesa)