Lhenços, gorras i saltaretes (Lhéngua mirandesa)
Lhenços, gorras i saltaretes (Lhéngua mirandesa)
Um corso galgou a colina, em três ou quatro saltos, com
elegância e velocidade. Nem deu tempo para o desejado registo fotográfico, mas
o instante ficou gravado na memória, como uma prenda aos amantes da natureza. São
terras da lombada, pródigas em perfumes de arçã e tomilho e aves pousando ao de
leve. As rosas-de-lobo, com pétalas de puríssima seda, estavam no auge.
Depois da curva, era possível ver pegadas de cabra selvagem,
bem marcadas pelo peso e pela pressa. Enquanto os caminheiros prosseguiam entre
conversas e gargalhadas, um som de desassossego captou os olhares. E na
clareira, a breves passos, assistiram ao sagrado momento do nascimento, entre
estebas e rosmaninhos.
No meio do espanto, a cadela Violeta precipitou-se e o Pedro
foi-lhe no encalço; pegou a chiba (assim lhe chamaram) ao colo – com infinito
carinho - e voltou a colocá-la na cama que o destino lhe traçara. E a chiba fez
a sua primeira corrida, mal se segurando nas pernas. Julguei ver (sem olhar) lágrimas
de tresmalhada ternura. A desatinada Violeta talvez tivesse estropiado o recém-
nascido, se lhe tivessem dado tempo. A mãe devia estar embrenhada na floresta,
bem perto do receio e do apego.
E o grupo prosseguiu a caminhada em comovido
silêncio.
E do silêncio rompe o poema:
Raiç d'arçana
(Lhéngua mirandesa)
Eiqui la palabra ye
nial
Raiç d'arçana
Passo stribado
Beiso, seda puríssema
Floresta a oulear
Nuite atrecida
Albura a spigar l die
Zassossego
a spicaçar la chama
Risa a las braçadas
Abraço a cheirar a tomielho
Spiga antalisgada
Amor renacido
An tierras de la Lombada.
Teresa Almeida Subtil
(Poema premiado em Versos de Amor de Manuel António Pina, Concurso - Museu Nacional da Imprensa/2020)
…..
Águas vivas
Estão vivas as águas do meu rio,
esta fala e este sentir intenso,
estas escarpas e estas aves
e estas farpas que abrem
asas ao tempo.
Estão vivas estas ervas
que na secura do chão
atiram poemas ao ar
e vestem a fraga nua e dura
de cor, alegria e beijos
de longo e intenso verão..
Estão vivas as palavras
que se roçam aos lábios,
com gosto a amoras maduras,
as mais negras e plenas.
Estão vivas as águas do meu rio,
ora serenas, ora cheias de febre
e bravura, com ganas
de resvalar das alturas,
com ganas de estrelar
a noite escura..
Cativa-me o berço da tarde
Tenho vontade de luzir um chapéu de palha.
Abas largas e alças
Sandálias e sedas. E pássaros nos olhos.
Chegou o verão! E ao meu rosto sereno
Falta o calor da sesta e a cor do trigo maduro
Sol puro no meu rosto
Gozo poético.
E a sombra da parreira na varanda
E a tarde transgressiva.
E se o verão
é poeta, fingidor e abusado
Vou esvoaçar entre as pingas
Alongar o verde da folha
Onde resplandece a magnólia
E a melancolia.
Chama-me a fantasia. Os pés ganham confiança
E a brisa beija-me o corpo arrepiado.
O chapéu procura o verão
E enlouquecido
Baila descompassado.
Teresa Almeida Subtil
Era quase noite quando passámos pelo
acampamento e trocámos acenos com os pinheiros verdes e aprumados de sempre.
Passava das 23h quando nos levantámos da mesa de jantar em frente ao Guadiana.
No dia seguinte passaria a vigorar o horário relativo às restrições impostas
pela Covid-19, e já não seria possível desfrutar calmamente do jantar, do
convívio e da maravilhosa noite de verão. O Algarve era, agora, a zona mais
permeável do país. Os ingleses deram à sola mais cedo do que previam.
Vai longe o tempo do acampamento. Não
era de finalistas, era apenas o apelo do mar. E demorávamos o dia inteiro para
ali chegar. Vem-me à ideia o espírito campista. Um chá à chegada era uma nota
de boas-vindas, um brinde aconchegante. E, no dia seguinte, um balde de
conquilhas como gesto de boa vizinhança de quem partilhava o chão, de quem se
aproximava no passo, no estendal, na mesa e na cadeira. As tendas enchiam o
pinhal de vida e alegria.
E quando se fala em Monte Gordo digo:
conheço, foi aí que a minha Guida deixou as fraldas. Com mais umas saídas à
Sanábria-Espanha, acabaram os acampamentos. Foi, no entanto, uma enriquecedora
experiência.
Com um tom moreno regresso a Miranda
do Douro, entre o JN, a Visão, alguns livros, plantas, malotes e esta repetida
vontade de poetizar as encostas ora verdes ora nuas do Marão. É uma serra que
me habituei a amar porque a atravessava ao crescer. As cicatrizes dos incêndios
custam a passar. Apesar disso, a poesia do Marão é intensa em qualquer estação.
E, como não vou ao volante, vou-me embrenhando em cada recorte de paisagem.
"Já passaste o túnel? ", pergunta a que deixou as fraldas no
acampamento. O túnel do Marão e a autoestrada
encurtaram distâncias. E de aeronave
Porto-Faro faz-se apenas em 45 minutos. E eu já não tomo enjomin, só um
ben-u-ron para aliviar a pressão nos ouvidos durante a aterragem.
A passagem pelo Porto na ida e no
regresso é um hábito gratificante. Desta vez pude participar - presencialmente
- num evento de arte grafite e arte poética. Eventos culturais entusiasmam e
enriquecem quem os promove e quem participa. É sempre preferível que sejam
presenciais, mas a pandemia provocou reuniões online, modalidade que veio para
ficar, com vantagens evidentes nalguns casos.
Ao alto das minhas hortênsias
esperava-me a lua e eu, reconhecida, aceno-lhe com beijos.
Quem vive em Miranda do Douro ou em
Lagoaça não tem fronteiras no olhar. Como o meu rio Douro que salta,
encolhe-se, esbraceja e espraia-se infinitamente. E, se lhe põem algemas, é
para saltar com mais força. Até chispa!
Solo para saber
La fala, la chama
I l oulor
De las froles
De la Toscana
Corri balhes, prainadas
Lhunas i airaçadas
I hoije bien senti
La calor de las pessonas
I l carino
De ti
Tue ye l'arte sagrada
I las quelores de la palabra
I siempre miu
L sol de las froles.
Teresa Almeida Subtil