domingo, 28 de outubro de 2018

O baú dos afetos / L baúl de ls carinos


O baú dos afetos

Pudesse eu voltar às palavras
acariciar pedaços de papel amarelecido,
desabafos, inquietações, questões,
liberdade expressa em dias de proibição,
rugas de um tempo presente na emoção.
Pudesse eu voltar a sentir
o amor dos primeiros traços, florir
em pequeninos ramos de candura,
tocar o verde trevo de 4 folhas,
pura exaltação, páginas redondas,
perfumes de breve caminho.

Pudesse eu acariciar missivas apaixonadas,
as primeiras, gostadas e sem retribuição.
Cada letra era um mapa, um cartão de identidade,
corações a rebentarem nas pintas dos is,
impressões da idade, aqui e ali.
Pudesse eu não sentir esta dor fina
este vazio dos temas, das conversas
e, sobretudo, o pulsar da adolescência
expressa em aprimorada ortografia.
Pudesse eu abrir as cores em que a sentia,
cheirar palavras amedrontadas
perdidas num baú de afetos.
Pudesse eu folhear o meu primeiro livro,
sacrário esvaziado, silente perplexidade,
melodia viva, saudade, memória perdida.





L baúl de ls carinos

Pudisse you tornar a las palabras,
fazer festicas a cachicos de papel amarelhecido,
zabafos, anquietaçones, questones,
lhiberdade screbida an dies de proibiçon,
angúrrias dun tiempo persente na eimoçon.
Pudisse you tornar a sentir
l amor de ls purmeiros traços, florir
an pequerricos galhos de candura,
tocar l berde trebo de quatro fuolhas,
pura eisaltaçon, páiginas redondas,
prefumes de brebe camino.


Pudisse you acarinar missibas apaixonadas,
las purmeiras, gustadas i sien tornas.
Cada lhetra era un mapa, un carton d'eidentidade,
coraçones a rebentáren nas pintas de ls is,
ampressones de l'eidade, eiqui i eilhi.
Pudisse you nun sentir este delor fino
este baziu de ls temas, de las sinagogas
i, subretodo, l pulsar de l'adolescéncia
spressa an aprimorada ourtografie.
Pudisse you abrir ls quelores an que la sentie,
cheirar palabras amedruncadas
perdidas nun baúl de carinos.
Pudisse you folhear l miu purmeiro lhibro,
sacrairo uoco, calhado spanto,
melodie biba, soudade, mimória perdida.


Teresa Almeida Subtil

(In Rio de Infinitos/Riu d'Anfenitos)

terça-feira, 16 de outubro de 2018

HORA DA POESIA

Marcha da Hora de Poesia: https://www.youtube.com/watch?v=jOlKzv8qZQo


TERESA SUBTIL será a nossa próxima convidada de A HORA DA POESIA...
Os seus poemas são torrenciais, próprios de uma alma febril, próprios de quem escreve com os 5 sentidos em alerta!!
Conceição Lima

sábado, 13 de outubro de 2018

Rio de Infinitos/Riu d'Anfenitos

A imagem pode conter: 2 pessoas, pessoas sentadas, pessoas em pé e interiores


Foi, para mim, uma subida honra integrar na minha obra o prefácio de Domingos Raposo, ilustre professor e dinamizador da língua mirandesa. Uma mão preciosa, devo dizer.

PREFÁCIO – ANTRADA
Teresa Almeida Subtil é natural de Lagoaça, povoação sobranceira ao Douro Superior, com grande beleza natural, clima ameno e um solo pródigo em frutos, e, culturalmente falando, integra as designadas “Terras de Miranda”, com bem referia Francisco Manuel Alves, Abade de Baçal.
E se o ser humano é filho do meio em que nasce, do lar em que se cria e da formação que recebe, Teresa Almeida Subtil não é exceção. A pureza do meio, a educação esmerada do lar, a riqueza da formação adquirida fizeram-na grande e levaram-na, por inclinação própria, a seguir a nobre missão de ensinar, que exerceu sempre com elevado profissionalismo, competência e entrega. Amante da dança e da pintura, a que também se dedica nas horas de lazer, deixou-se guiar, nos últimos tempos, pelo pulsar e força da poesia, que lhe corre nas veias, a jorro, genuína, natural, fluida. A fim de não desperdiçar o bafo da inspiração, assumiu, como motu proprio, o lema do pintor grego Apelles, “nulla dies sine linea” – nem um só dia sem (uma) linha -, até porque desde cedo compreendeu que “scripta manent”, ou seja, que os escritos permanecem. Essa produtividade levou-a à perfeição técnica do poema, prenhe de simbologia e emoção, como podemos comprovar com a presente obra, que resulta da seleção (nada fácil de fazer) de uma vasta lista de poemas.
Mas esta obra ganha ainda um valor redobrado porque sendo a autora uma apaixonada pela língua mirandesa, que aprendeu, de per si, sem a ter mamado no leite materno, aparece traduzida, em mirandês, pelo próprio punho, dando um grande exemplo de que querer é poder e de divulgação daquela que é a segunda língua oficial de Portugal.
Escrever poesia é uma arte e toda a arte é maravilhosa porque se por um lado é inútil “não mata a fome, não mitiga a sede, não protege do frio e do vento” (Ruy Guerra), por outro é transformadora porque inebria o espírito, aquece a alma, desvenda e ilumina caminhos, muitas vezes sombrios, escondidos, subterrâneos. E Teresa Almeida Subtil, com um incontornável e não explicado deslumbramento, que nos fascina, apresenta-nos, nesta obra, caminhos dessa transformação, tendo como ponto de partida e fio condutor o Rio (Douro) – que a marcou profundamente desde a infância – no seu sentido mais abrangente e metafórico: “rasgo a Primavera do alto das arribas do Douro”; “sinto o eco das margens a pulsar”; estão vivas as águas do meu rio”; “diz-me do rio de palavras selvagens preso em ti”; “… ser-te-ia nascente e foz a um tempo”; (…). O seu Rio é imenso, infinito: tem sol, sombras, arribas, fauna, flora, gente, etnografia, atrações, mistérios, cores, aromas, paladares, fragores, sonoridades, acordes, amores, choros, cantos, “cantando o amor em cada passo e em cada batida de inquietação”.
Teresa Almeida Subtil, com clareza, sensibilidade estética e cumplicidade com o seu Rio (fonte de sonhos, afetos, desafios, preces, promessas, esperanças…) compõe poemas com essência e perfume, vestindo-os a preceito como se vestisse um corpo com o fato e os adereços do melhor estilista, mostrando que “a poesia é emoção, um grito de liberdade, um brinde à vida”. E se para ela ser poeta é “… dar-te a chave do céu e do prazer”, também faz jus ao sentimento de Florbela Espanca: “tem de mil desejos, o esplendor; possui um astro que flameja; tem garras e asas de condor; tem fome e sede de Infinito; condensa o mundo num só grito”, como testemunha nesta obra, de forma brilhante, guiada pelas suas memórias, vivências, introspeções/intimidades, valores, leituras, telas de vida, evocações, projetos, trajetos e horizontes.

Os poemas deixam-nos perceber que a autora comunga o pensamento de outros poetas consagrados. Sabe “que o sonho comanda a vida” e com ele “o mundo pula e avança” (António Gedeão); que “o meu pensamento é um mundo subterrâneo… Escuto-o… como um eterno rio indescoberto, mais que a ideia de rio certo e abstracto” (Fernando Pessoa); “mas não calo a voz do chão que grita dentro de mim”, fazendo o “rio feliz a ir de encontro ao mar, desaguar, e, em largo oceano, eternizar o seu esplendor torrencial de rio” (Miguel Torga). Torrente, qual “caudal sagrado” de infinitos, que abre espaços à reflexão, à afetividade, à solidariedade… e faz de cada poema um “dia novo, de renovo e poesia”, como Torga gostava de dizer.
Teresa Almeida Subtil, sente o prazer da escrita e escreve com palavras “tecidas de luz” (Eugénio de Andrade), em intimidade com os versos e a musicalidade das sílabas, com o coração cheio, seguindo a transparência das estrelas, compondo, com uma imaginação transbordante e apaixonada, autênticos hinos ao Sol “com notas marciais, que soam como um clarim (Gomes Leal) e “com o desejo de ser apenas harmonia, cantando a luz que todo o espaço inflama, e sonhando a perfeita e mística alegria” (Teixeira de Pascoaes).
Parafraseando Manuel Alegre, este é “um livro de poesia por onde corre o sangue, a escrita, a vida”. “Pois só no poema um povo amanhece” (Sophia de Mello Breyner Andresen). Por isso, deixemo-nos levar por este “Rio de Infinitos”, escrito com cintilante claridade, onde a autora, norteada pelo maior dos ideais, permite que nos enriqueçamos e deleitemos com as suas magníficas criações, deixando-nos a esperança num amanhecer resplandecente, puro, expurgado de males e livre para pensar, sonhar, agir, repleto de Amor. Amor que conseguiu pintar com a sua cor preferida: a brisa da vida.
                                                                                                                                      
                                                                                                                           Domingos Raposo



segunda-feira, 8 de outubro de 2018

Vão de infinitos / Preça d'anfenitos



Vão de infinitos

É a varanda de grades da cor do tempo
que me leva em breve enleio e receio de entardecer.
É na varanda solta no descampado do olhar
que me debruço e me entronco na árvore onde me fiz.

É o toque na parreira de pele retesada
e rasgada que me diz da erupção que sentia
e das escadas que subia e descia,
querendo entender-me no emaranhado da vida.

Era em vão de infinitos que a varanda se espraiava.
E eu, debruçada, a sentir-me nada, não cabia em mim.
E eu, num chão de inquietudes a agigantar-me
para as dúvidas que nunca resolvi.

Aninhada em ti,
parecia que a aldeia ao longe era igual à minha,
embora a raia nos falasse de outra língua
e de outro país. Na minha varanda percebia a raia
e adivinhava que nem a vinha, nem a aldeia que avistava,
encobriam o reboliço do rio
que bem fundo cavava o fragaredo.
Nem eu nem o rio conhecíamos limites
e apesar do aperto e da inquietude,
saltávamos e corríamos
na pressa dum tempo a descobrir.




  

 Preça d´anfenitos (lhéngua mirandesa)

Ye la baranda de grades de la quelor de l tiempo
que me lhieba an brebe anleio i arrecelo d'entardecer.
Ye na baranda suolta ne l çcampado de l mirar
que m´astribo i m´antronco n´arble adonde me fiç.

Ye l toque na parreira de piel retesada
i resgada que me diç de l manantial que sentie
i de las scaleiras que chubie i abaixaba,
querendo antender-me ne l eimaranhado de la bida.

Era an preça d'anfenitos que la baranda se spraiaba.
I you, debruçada, a sentir-me nada, nun cabie an mi.
I you, nun suolo d'anquietudes a agigantar-me
pa las dúbedas que nunca resolbi.

Arrimada a ti,
parecie que l'aldé al loinge era eigual a la mie,
anque la raia mos falasse d'outra lhéngua
i d'outro paíç. Na mie baranda percebie la raia
i çcunfiaba que nien la binha, nien l'aldé q'abistaba,
tapában l rebolhiço de l riu
que bien fondo scababa l fragaredo.
Nien you nien l riu coinciemos lhemites
i indas que l aperto i l'anquietude,
saltábamos i corríemos
na priessa dun tiempo a çcubrir.

Teresa Almeida Subtil


(in Rio de Infinitos /Riu d'Anfenitos)