quarta-feira, 9 de novembro de 2022

Fui d'abalada


Depois de respirar fundo

E de me inundar de positividade,

Como é meu timbre,

Fui d' abalada

E aportei num sonho de madrugar.

 

Venci a guerra íntima

Respirei à janela

O sentimento da manhã.

E uma ínfima poção de felicidade

Circundava os pássaros

Que saltitavam ao meu olhar.

 

Senti as pingas e o perfume do verso

Ensimesmando o jasmim.

 

E ainda que a nostalgia rime

Com a ausência do melro

E de mágoa a brisa me esfrie

Abro a última rosa

Que colhi no teu jardim

E em cada pétala rasgo

As saudades que tenho de mim.


Teresa Almeida Subtil







sábado, 27 de agosto de 2022

Aos meus amigos

 


Por cada estrela

Que me bate no peito

Por cada sorriso

Que me alimenta

Por cada traço que me adivinha

Pelo sentimento

Que me sustenta

Por cada rasgo de luz

Pelo mistério da sombra

Pelo olhar que me traduz

Por cada sopro de vida

Pelo assombro

Pelo impulso

Pela amizade

Pelo amor

Pela saudade


Por ti

Por nós

Ergo a taça e brindo

Num arrojo

De fugaz eternidade.


Teresa Almeida Subtil 





sábado, 6 de agosto de 2022

ARA

 A voz nascia na tarde

Iluminura entre gestos

Sentires breves e soltos

Jeito de folha transparente

Onde olhos exultavam

E a palavra sulcava o ser

Luísa fazia acontecer 

A cor e a dor da terra arada

Luísa desatava o espanto

E em mim prendia-se o mar

E expandia-se o fascínio

De me dizer mulher

Ara como princípio e fim.


Teresa Almeida Subtil

(O meu preito a Ana Luísa Amaral
06/08/22)


 




domingo, 3 de julho de 2022

FESTAS DE SAN PEDRO - Zamora


 



E cá estou eu no meio das malvas, digo, no meio das bonecas. Nomeio as bonecas porque nunca delas me separei. Pronto, levo três. Para mim vai uma bailadeira, de cores vivas, já que “quem parte e reparte e não fica com a melhor parte, ou é burro ou não sabe da arte”. Em qualquer parede da casa ficam a falar do lugar e dos passos harmoniosos que damos. Pelo menos tentamos. Mas nem tudo são malvas cor-de-rosa, A minha mãe, que tanto gostava de rondar entre elas, fervê-las e usá-las para curar maleitas, havia de gostar desta altiva que surgiu, agora, entre as pedras do quintal.

As minhas duas bonecas reais são raianas como eu, e trazem enraizado este gosto de saltar a fronteira. Têm asas de liberdade como aves das arribas.

Zamora está muito chamativa com esta Feira da Cerâmica (a mais antiga de Espanha). De cerâmica e de alhos. Reúne vendedores de Pereruela, Moveros, Toro e de vários pontos do território de ”nuestrros hermanos”. A mostra de cântaros e outras antiguidades prendem a atenção dos visitantes e lembram pedaços da nossa própria estória. E quem não tinha uma cantarinha para ir à fonte? E quem não cantava com ela à cintura “cantarinhas, feitas do barro mais belo…?”

A Nor-noroeste da praça, Viriato (séc. II a.C.), líder militar, mostra o seu garbo. Foi o “terror romanórum”. Vale a pena perdermo-nos na neblina do percurso deste guerreiro, morto à traição. Sobre a cava de Viriato, em Viseu, também corre muita tinta, e o nosso herói surge envolvido numa aura de “ mistério, ideologia e romantismo histórico”.

Dele não se esqueceu o grande Camões (Os Lusíadas, VIII, estância 6)

Viriato sabemos que se chama,

Destro na lança mais que no cajado;

Injuriada tem de Roma a fama,

Vencedor invencível afamado;

Não tem com ele, não, nem ter puderam

O primor que com Pirro já tiveram.."

E, a rematar a tarde, sabe bem tomar uma bebida fresca, na esplanada da cafetaria Dolfos, e posso ir tomando o pulso ao dia, na minha agenda polivalente. Em Santa Clara ainda não se veem corpos bronzeados e vestidos airosos como antes da pandemia.

Por esta altura, já as mulheres gostavam de presumir.

E ala que se faz tarde! A cegonha que nos viu entrar, está à espera de nos ver sair.

 

Teresa Almeida Subtil 






sábado, 25 de junho de 2022

RONDA LAS DEGAS/ RONDA DAS ADEGAS

 RONDA LAS DEGAS


Pulas rugas pedies música i dança
Puial, cuntentamiento
I you juro culs pies ne l'aire
Q'a rundar naide se cansa
I quien nun beila por fuora
Beila por drento.

Chégan sbaforidos
Quieren la cultura ancestral
I la dega renace
Cumo streilha culgada ne l cielo
Ye un spácio cultural.

Las paredes fálan de l'antigo
De l persente
I ls bersos son naturales
Cumo l'auga i la sede
Ls quemidos i l bino
Rostro a rostro, piedra a piedra
I l cuorpo afeito al aire
Einamoramiento.

Ai, i l pan!
I la jarrica criada anho a anho
Guosto, chamariç, recordaçon.
La fiesta ye lhaço, proua
Agabon.







RONDA DAS ADEGAS

Pelas ruas pedias música e dança
Poial, contentamento
E eu juro com pés no ar
Que a rondar ninguém se cansa
E quem não baila por fora
Baila por dentro.

Chegam tresmalhados
Privilegiam a cultura ancestral
E a adega renasce
Como estrela pendurada no céu
É um espaço cultural.

As paredes falam do antigo
E do contemporâneo
E os versos são naturais
Como a água e a sede
As comidas, o vinho
E o corpo afeito ao vento
Rosto a rosto, pedra a pedra
Enamoramento.

Ai, e o pão!
E a caneca criada ano após ano
A festa é gosto, chamariz, recordação
Hossana!

Teresa Almeida Subtil


sexta-feira, 3 de junho de 2022

A talho de foice!

"Dia da criança."

O soldado atirador sobreviveu à guerra na Guiné e, na recente pandemia, após 80 dias de luta com a Covid 19, voltou à vida. Reativou o restaurante de sucesso que havia passado em situação de doença. "Oh, eu gosto disto e não conseguiram, entretanto, manter a qualidade nem a clientela". Qualidade que, volta e meia, gostamos de comprovar. Procurei conhecer o organigrama (estrutura militar) do pessoal mobilizado para as províncias ultramarinas: batalhões, companhias, pelotões, secções e ainda um espaço de restabelecimento e ajuda à população ( em Varela) a que chamavam "psícola".

Do aquartelamento em Suzana, o nosso soldado regressou elegante. Ele e os outros. Lembram a falta de água, a escassez de alimentos, a necessária negociata com o inimigo para aquisição de bens essenciais, etc.

Os combatentes do mesmo pelotão - depois de sentirem o cheiro a pólvora, terem nadado entre crocodilos, voarem numa avioneta a que caiu uma porta, comerem rações de combate por demasiado tempo, patrulharem o quartel com o som de morteiros por perto - sentem-se família. O capitão procurou regressar com os homens que levou, mas ele mesmo foi abatido numa operação militar. É uma mágoa sem fim. E tudo isto em nome do poder e do território.

A talho de foice, veio a guerra na Ucrânia. Cessar fogo! Leio no meu telemóvel. Será certo? Seria memorável se a paz fosse celebrada em dia da criança. Elas a quem toca a fatia de dor mais pesada.

Viajo pelo Douro com um ex-combatente. Vou lavando as vistas, conversando e escrevendo. É o habitual. E levo, naturalmente, miminhos, de apurado sabor, para as minhas crianças: nêsperas, cerejas, damascos e pêssegos.

Já estamos em Alcanizes. Há outros caminhos, mas atravessar este cibo de Espanha para regressar a casa, faz parte das nossas preferências. Já vejo os púcaros de Moveros, mas hoje só olho. Somos raianos.

Teresa Almeida Subtil

01.06.2022


quarta-feira, 9 de março de 2022

Sou mulher!

A escalada é íngreme e não sei onde vou

Levo os filhos pela mão

São todos meus. Os que saltam o espanto

E os que ficam.

E os que gritam.

Por ti, por nós, meu coração é fogo

O fogo que atearam.

E prossigo na aflição que não sossego.

Logo, logo teremos tudo,

Digo enquanto mordo as palavras

E engulo as lágrimas.

Não deixei nada, sou empurrada

Não sei onde vou

E a destruição é o mundo que abandono

Só conheço a dor que aperto

Sou uma qualquer que foge

Não sei onde estou, não sei onde vou.

Sou ucraniana.

Sou mulher!

 

Teresa Almeida Subtil
08/o3/2022





LIBERDADE