domingo, 29 de novembro de 2020

VIAGENS . A Comoção do Lugar


 Eles vão outras vez ao Vale dos Fetos! diziam os amigos de Évora. Em boa verdade foram as crianças que nos fizeram companheiros de jornada. Deram as mãos, naturalmente. As férias decorriam pelo Luso. E, como sempre, aproveitávamos para conhecer as redondezas. O Vale dos Fetos foi uma paixão. E as hortênsias viajaram no meu olhar e, pouco a pouco, enfeitaram de poemas o meu jardim. Por lá a luz do sol era coada e as cores celestiais. As pontes, os ribeirinhos, as plantas, os carreiros davam um toque de romantismo ao vale. Recato e liberdade. Saltos, corridas e miradas demoradas. Este ambiente, que retenho, entusiasmava o grupo. As anedotas do casal de Évora eram alentejanas e alimentaram o pulsar dos dias e a juventude que respirávamos. Repassámos, depois, essas anedotas entre outros amigos, talvez para termos presente a vivacidade, o sentido de humor e o convívio de um tempo despido de obrigações. A atividade profissional também provocava a proximidade. Também é verdade que alentejanos e transmontanos entram, naturalmente, em cumplicidade.  Para eles, a praça do Giraldo era ponto de encontro, de festa, e girava nas conversas com um entusiasmo fora do comum. A vida passava por ali. A praça é, geralmente, a sala de visitas de qualquer localidade e, quando um dia regressávamos do Algarve, não resisti. Apesar do calor infernal de agosto, enquanto a família repousava a uma sombra (a minha mãe estava exausta), desci à praça do Giraldo. "É que em Évora todos os caminhos vão dar à Praça do Giraldo, desde a sua construção em 1571/1573".

Em poucos minutos cheguei e respirei a magia que os amigos me transmitiram. Já lá tinha estado, mas naquela hora, aquela pequena praça - rodeada de arcadas, belos candeeiros e fachadas de estilo neoclássico e romântico - tornara-se intimista, plena de vida saboreada. As pedras - calçada portuguesa - falavam como se tivessem alma. Já vi gente chorar ao sentir a comoção do lugar. Não foi o caso, mas não podia deixar de tomar um café numa sala de visitas que era, naquele momento, um pouco minha. O cante alentejano também.

E, em tempo de confinamento, apetece viajar por dentro de memórias e revisitar lugares e emoções.

Teresa Almeida Subtil








terça-feira, 17 de novembro de 2020

Uns e outros

 


Fundação Dionísio Pinheiro e Alice Cardoso Pinheiro

18 de setembro  ·

!DE CANETA EM RISTE CONTRA O VÍRUS!

Partilhamos a obra enviada pela Autora Maria Teresa Subtil.

 

Uns e outros


Cumpri.

Saboreei a casa dia a dia

E o jardim em cada pétala.

Li muito sobre pandemia

Atordoada, desisti.

 

E desisti

De te encontrar no café, na rua, na tertúlia.

Embotada pela nostalgia

Escrever pouco consegui.

 

Será que

O universo nos faz reavaliar

A vida stressada que levamos

E os desmandos no planeta azul?

 

E mudamos uns e outros

E como sempre de modo diferente

O trabalho, o pão, o teto, a educação …

 

Subimos ou descemos?

Refugiei-me na leitura e meus netos

Minha aventura permanente.

Sentindo saudade

De rostos abertos à liberdade.

 

Refugio-me, ainda,

Na saborosa intimidade

Que a vida consente 

De nos sermos presente.


Teresa Almeida Subtil 

Este projecto tem a parceria com a MODOCROMIA, Edições, Lda -

Maria Ester

quarta-feira, 11 de novembro de 2020

Doeu-me a vida


 

Doeu-me o ultimo abraço

E todos os outros
Com sabor a passagem
A despedida.
Doeu-me a cor
O sabor e o beijo
Que guardo na boca.
Doeu-me a emoção
Meu jeito adolescente
Doeu-me a vida
E o caminho de volta.
E não estar em ti perdida
É o que me dói
Ainda.
Teresa Almeida Subtil



segunda-feira, 2 de novembro de 2020

Esperava-te ao postigo

 

Esperava-te ao postigo

Com o coração num punho

A casa assombrava-se quando saías

E todos passavam atarefados


Não me queixava, nem sabias

Que a casa era grande

Para um coração pequenino

E que histórias de terror

Andavam de boca em boca

 

Esperava-te ao postigo

E a vida recomeçava quando chegavas


Com o tempo às costas

Exausta e tanto para fazer

E da agricultura não te desligavas

Vida que, por vezes, comandavas

 

Mais tarde parecias minha filha

Eras tu que ficavas ao postigo

Com o coração num punho

E o mundo só tinha encanto

E a alegria só recomeçava

Quando eu chegava.



Speraba-t'al postigo

Speraba-t' al postigo
Cul coraçon nun punho
La casa assumbraba-se
Quando salies
I todos passában chenos de priessa.

Nun me queixaba, nien sabies
Que la casa era grande
Para un coraçon pequerrico
I que stórias de grima
Fazien córrio por ende.

Spraba-t'al postigo
I la bida riampeçaba
Quando chegabas
Cul tiempo a las cuostas.

Sbaforida i tanto para fazer
De la tierra nun t' apartabas
Bida que a las bezes
Quemandabas

Mais tarde, parecies mie filha
Eras tu que quedabas al postigo
Cul coraçon nun punho
I l mundo solo tenie sentido
I l'alegrie solo riampeçaba
Quando you chegaba.


Teresa Almeida Subtil