O comboio aproximava-se da estação
era-me familiar este ruído
por um breve instante
...
o coração ficou em reboliço
era partida ou chegada?
sempre uma mudança
e uma estada nova
na vida da aldeia
Apurei o ouvido
o sono já apoquentava
a hora ia alta
o dia arrumado nas prateleiras
Foi um breve instante
na memória recuperado
a saudade revolvida
qual comboio, qual estação
a carvão ficou o lápis
porque a lapiseira
falha na hora menos pensada
Depressa percebi
que era o vento galego
a despir despudoradamente a figueira
junto à janela do meu quarto
o vento ruge com um sinal diferente
nada parecido com o silvo do comboio
ou a voz que alta se ouvia: partida!
Havia um desenraizamento na palavra
assustada e dorida despedida
por larga temporada
em fins de semana ninguém pensava
a merenda com sabor a casa
era um embalo de viagem
a retorcida linha do Douro
agarrava-nos a alma e a conversa que crescia
ia diluindo o aperto do peito
o comboio andava devagar a apanhar o futuro
partia para a vida
liquidámos o comboio - liquidámos o futuro
abandonou-se a estação - instalou-se o retrocesso
precisamos do sinal de partida
Teresa Almeida
(Foto de José Sobral)
(Foto de José Sobral)