A cabaça é algo a que
atribuo sentimento. Sempre a vi matar a sede. E o vinho a gorgolejar na
garganta de homens suados e cansados. Era percetível o prazer que a expressão
denunciava.
Apesar de, a devido tempo, meter umas
pevides na terra, nem abóboras nem cabaças se têm dado no meu quintal, mas
gosto de ver folhas grandes e frescas encarrapitadas nos muros. Olho,
fascinada, aquele tom amarelo-alaranjado que sobressai dos terrenos pejados de
abóboras. E aprecio a cor e o sabor que dão às sopas e aos sonhos. Ainda tenho
de fazer o doce onde não faltará o ligeiro gosto a canela.
E as cabaças? Um dia visitei um
quintal de cabaças. O dono tinha-lhes verdadeiro afeto. Eram de diferentes
modelos e tão belas como se ele esculpisse uma a uma em momentos de forte
inspiração. Não as vendia. Estava entusiasmado e com uma ponta de alegria
perfeitamente justificada. Só havia cabaças naquele espaço. Os caules trepavam
e elas caíam com graça e originalidade. O sol, vaidoso, infiltrava-se e
pintava-as a preceito. Não lhes batia de rajada, apenas lhes realçava as formas
redondas. Dei graças por ter tido o privilégio de visitar aquela improvável
exposição. Guardei-a no baú dos "tesouros". Um tesouro é algo que vivemos com emoção. E na cabaça, que o artista me ofereceu, pintei - com prazer- uma folha de parreira.
Lembro, também, que numa digressão pela Índia, integrada na Associação de Professores Mirandeses, recriámos um serão transmontano. O ciclo da lã era o motivo principal, mas levávamos utensílios diversos, marcas identitárias do povo a que pertenço. No regresso perguntei à minha colega Carmina: o que vais fazer à tua cabaça? Ela olhou para mim e disse: queres? Sorri e trouxe da Índia uma cabaça transmontana
Teresa Almeida Subtil
Apraz-me acrescentar um comentário de José Veríssimo porque enriquece, culturalmente, o meu texto. É um escritor, meu conterrâneo, que tem feito investigação diversificada na minha aldeia de origem - Lagoaça, Freixo de Espada à Cinta.
" Algumas cabaças ganhavam o nome da sua origem, ou pela originalidade de um ato decorrente ao longo da sua vida: "a cabaça da galega", "a cabaça da segada", a cabaça da merenda", "a cabacinha do zé", " a cabaça do pescoço delgado", "a cabaça da bexiga", ... e obedeciam a algo parecido com um ritual antes de serem colocadas a uso. Após a abertura do "bucal", retiradas as pevides e limpa no interior, eram colocadas no lagar, quando o vinho estava em fermentação, para ficarem "envinhadas" e, só depois, eram colocadas a uso. Quando alguma, particularmente querida, sofria algum acidente e rachava, a sua longevidade era prolongada, encamisando-a com uma bexiga de porco na próxima matança e posta a secar pendurada com o fumeiro."
Curiosa a sua partilha!
ResponderEliminarGosto muito de cabaças!
Bom fim_de_semana 💖
Trazer da India uma cabaça transmontana é mesmo um tesouro fascinante.
ResponderEliminar.
Feliz fim de semana
Cuide-se
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Pensamentos e Devaneios Poéticos
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Olá, Teresa, começando um ano nada bom, mas temos de encarar...
ResponderEliminarGostei muito dessa sua postagem, aqui no sul é bem conhecida.
Muito elucidativo seu texto. ótimo.
Um bom fim de semana,
bjus
Teresa, eu falei que conhecemos muito aqui no sul do Brasil, Uruguai, Argentina... é com ela que nosso famoso Chimarrão é servido e corre numa roda, é coisa de Gaúcho!! Dentro, vai a erva, água quente e roda no coração da gauchada. O famoso chimarrão!
Eliminarbeijinho
Boa tarde Teresa,
ResponderEliminarUm texto muito belo sobre a cabaça que acho linda e elegante nas suas formas.
Sempre as apreciei também até pela utilidade como referiu que tinham. São também elementos decorativos e prendem-nos às raízes!
Adorei a sua narrativa muito rica, como sempre, assim como o comentário do seu conterrâneo sobre a origem dos nomes atribuídos às cabaças.
Um beijinho e um bom fim de semana.
Ailime
(Trazer da Índia uma cabaça transmontana decerto não esperava;))!
Adorei a publicação!:)
ResponderEliminar*
Há prosas que contam estórias
*
Beijo, e um bom fim de semana.
Cá, a cabaça é catuto
ResponderEliminarOu porongo. É feito cantil
E mais ao sul do Brasil
Era o prato do matuto
Para farinha ou conduto.
E cuia de chimarrão
Ao gaúcho, em seu rincão.
Cerrado só o gargalo
Do porongo para usá-lo
Como um caneco, a função.
Além dessas funções, o catuto (tupi-guarani) era muito usado como boia para apetrechos de pesca. Também cerrado ao meio, como cuia para tirar água de embarcações miúdas. Hoje, creio que só usam como cuia de chimarrão.
Bela postagem! Abraço cordial. Laerte.
Fui, com gosto, à Wikipédia. Chimarrão, essa bebida com erva-mate, de origem indígena, não conhecia. Já andei pelo Brasil e bebi coktails de frutas tropicais, verdadeiramente deliciosos. Grata, caro Laerte, pelo poema tão fértil em cultura brasileira. Confesso que fui consultar várias palavras.
EliminarBeijo.
Estou mesmo a ver-te fascinada com tudo o que sai da terra, tão telúrica que é por vezes a tua escrita. Ficou linda a tua cabaça. Lembro-me bem delas muito usadas para levarem água ou mesmo vinho.
ResponderEliminarGostei do comentário do José Veríssimo.
Protege-te bem.
Um beijo.
Sorrio com o teu maravilhoso texto e a mensagem que ele transmite.
ResponderEliminarSim , recordo as cabaças que alguns lavradores levavam com o vinho para os campos, quando ficavam mais longe. O formato era sempre idêntico talvez por ser mais confortável para e beber.
Agora apareceram os plásticos, não que não sejam úteis, mas leva ao esquecimento de tantos pormenores que faziam o por-Maior no desafio climático.
Ainda bem que nos trazes o baú das memórias para que também eu recorde
Um grande abraço, Teresa
Outros tempos, outras memórias, mas delas ressalta sempre um viver genuíno, pejado de histórias e cumplicidades.
ResponderEliminarFoi muito bom ler este sentir, é sempre bom ler-te.
Um beijinho, Teresa :)
Que linda cabaça do seu baú de tesouros. O meu avô também tinha algumas, nem sei o que lhes aconteceu.
ResponderEliminarUm texto de memórias que nos prende e nos permite também, regressar um pouco ao nosso passado.
Fique bem, beijinhos
Ricas memórias merecem um cantinho especial em nossos corações. Sua cabaça ficou encantadora. Nunca tive muito contato com elas, no sentido de suas experiências, mas tenho objetos artesanais onde foram utilizadas, que amo. Grande abraço.
ResponderEliminarSaberes especiais...
ResponderEliminarGostei de ler, Teresa.
Despedindo-me por um tempo.
Até à volta. Beijinhos.
~~~~
Boa noite, amiga Teresa,
ResponderEliminargostei muito dessa crônica na qual falas sobre a cabaça, que aqui no Estado do Rio Grande do Sul é muito usada por gaúchos e prendas, é a nossa famosa cuia de chimarrão, com os mais belos tipos e tamanhos de 'porongo', esculpido com arte.
Gostei muito.
Uma boa semana, com saúde!
beijo.
Têm uma rara beleza… A título de curiosidade, quando mudei de casa, foram-me oferecidas umas 2 ou 3 e tentei deixar secar, mas não tive essa sorte ou boa arte.
ResponderEliminarUma delícia de texto, escrito com o seu talento, aprazível de ler e a acabar por dar cor a esta manhã cinzenta.
Um abraço e boa semana
Todos sabemos que se tratava e provavelmente ainda se trata, de um indispensável recurso do nosso mundo agro-pastoril.
ResponderEliminarDesconhecia era a forma de as reaproveitar, quando feridas na sua integridade física.
Abraço de amizade.
Juvenal Nunes
Querida Teresa
ResponderEliminarBelíssimo texto dedicado à cabaça, esse espécime tão antigo como útil. E bela nessa decoração com a folha de parreira que lhe pintou. E tão personalizada quando envinhada para melhor utilização e encamisada em bexiga de porco em caso de acidente.
Adorei, minha amiga, essa viagem que nos propôs.
Muito obrigada pela generosidade do seu comentário no "Xaile de Seda" e pelo poema que tive a ousadia de ali publicar.
Beijinhos
Olinda
Em criança detestava sopa de cabaça. Era horrível.
ResponderEliminarMas gostava de brincar com elas. Por exemplo, delirava fazer máscaras assustadoras e, à noite, com uma vela dentro, colocá-las nos muros para assustar os passantes.
Gostei do teu texto. E fiquei a saber algumas coisas interessantes com o comentário do José Veríssimo.
Bom fim de semana, querida amiga Teresa.
Beijo.
Ao terminar a leitura, vagarosa, ruminada, me perguntei: - além do texto maravilhoso, leve, sedutor, o que seria mais premente para mim, a cabaça ou o baú? Ingênuo já não sou para fazer tal escolha, fique a imaginar o que mais tem neste baú, guardei a crônica nos mínimos detalhes e voltei a reler para descobrir outras riquezas da dona das terras e imaginar o sabor da sopa com o seu tempero telúrico...
ResponderEliminarPrometo ser mais assíduo, ando meio recalcitrante, mas adoro ler-te porque há sempre poesia (na sua poesia) e na sua prosa.
Desejo que os seus desejos se realizem todos, um a um, em 2021. E cuide-se bem!
Um beijo, minha amiga!
Jamais me passaria pela cabeça, que se pudesse encontrar na India, uma cabaça transmontana... mas realmente, e dada a actual conjuntura, cada vez me convenço mais que este mundo é uma ervilha... Adorei o texto, e o complementar comentário, que nos aponta várias designações de cabaças... que não me recordo de alguma vez ter visto, no seu estado natural...
ResponderEliminarSaberes, sabores e tradições, que é sempre um gosto imenso, descobrir por aqui! E ficou muitíssimo bem, a folha, nela pintada!
Deixo um beijinho! Estimando que tudo esteja bem por aí! Por estes lados... rodeados pela ameaça invisível, e por muitos relatos preocupantes... mas mesmo assim... os carros não param na estrada, em pleno domingo... de confinamento, e mau tempo... como é possível?
Bom domingo!
Ana
Que lindo o texto e as cabaças! Sensibilidades raras! Beijinhos Mãe :)
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