quinta-feira, 29 de julho de 2021

Do Guadiana ao Douro

Era quase noite quando passámos pelo acampamento e trocámos acenos com os pinheiros verdes e aprumados de sempre. Passava das 23h quando nos levantámos da mesa de jantar em frente ao Guadiana. No dia seguinte passaria a vigorar o horário relativo às restrições impostas pela Covid-19, e já não seria possível desfrutar calmamente do jantar, do convívio e da maravilhosa noite de verão. O Algarve era, agora, a zona mais permeável do país. Os ingleses deram à sola mais cedo do que previam.

Vai longe o tempo do acampamento. Não era de finalistas, era apenas o apelo do mar. E demorávamos o dia inteiro para ali chegar. Vem-me à ideia o espírito campista. Um chá à chegada era uma nota de boas-vindas, um brinde aconchegante. E, no dia seguinte, um balde de conquilhas como gesto de boa vizinhança de quem partilhava o chão, de quem se aproximava no passo, no estendal, na mesa e na cadeira. As tendas enchiam o pinhal de vida e alegria.

E quando se fala em Monte Gordo digo: conheço, foi aí que a minha Guida deixou as fraldas. Com mais umas saídas à Sanábria-Espanha, acabaram os acampamentos. Foi, no entanto, uma enriquecedora experiência.

Com um tom moreno regresso a Miranda do Douro, entre o JN, a Visão, alguns livros, plantas, malotes e esta repetida vontade de poetizar as encostas ora verdes ora nuas do Marão. É uma serra que me habituei a amar porque a atravessava ao crescer. As cicatrizes dos incêndios custam a passar. Apesar disso, a poesia do Marão é intensa em qualquer estação. E, como não vou ao volante, vou-me embrenhando em cada recorte de paisagem. "Já passaste o túnel? ", pergunta a que deixou as fraldas no acampamento. O túnel do Marão  e a autoestrada encurtaram distâncias. E de aeronave  Porto-Faro faz-se apenas em 45 minutos. E eu já não tomo enjomin, só um ben-u-ron para aliviar a pressão nos ouvidos durante a aterragem.

A passagem pelo Porto na ida e no regresso é um hábito gratificante. Desta vez pude participar - presencialmente - num evento de arte grafite e arte poética. Eventos culturais entusiasmam e enriquecem quem os promove e quem participa. É sempre preferível que sejam presenciais, mas a pandemia provocou reuniões online, modalidade que veio para ficar, com vantagens evidentes nalguns casos.

Ao alto das minhas hortênsias esperava-me a lua e eu, reconhecida, aceno-lhe com beijos.

Quem vive em Miranda do Douro ou em Lagoaça não tem fronteiras no olhar. Como o meu rio Douro que salta, encolhe-se, esbraceja e espraia-se infinitamente. E, se lhe põem algemas, é para saltar com mais força. Até chispa!

Teresa Almeida Subtil.



14 comentários:

  1. Tudo na vida muda de um segundo para o outro.
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    Um dia feliz. Cumprimentos.
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    Pensamentos e Devaneios Poéticos
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  2. Gostei da sua publicação. Muito bom:))
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    Encontro no teu sorriso o espelho da alma
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    Beijo e uma excelente tarde!

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  3. Teresa querida, teu texto está lindo, fez-me sonhar também com minhas idas aos lugares que me são especiais, onde tenho minhas lembranças preferidas. Realmente o covid nos partiu, fecha, abre; fecha, abre...Estamos vivendo o que nunca imaginamos. Poder voltar e resgatar um pouco de nossa memória...é só o que mais queremos.
    A canção da Pedra é linda!
    Uma ótima sexta-feira pra você,
    beijinho.

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  4. Senti a intenção e intensidade de cada momento!!! 👏👏👏... Bom fim_de_semana

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  5. Recordar tudo aquilo que foi bom, se transforma em vivas lembranças, pois nenhum presente deixa de ser passado. A saudade toma conta de nós como uma criança que ainda não cresceu.
    E as águas serenas e calmas do Guadiana, contrastando com as águas agrestes do Douro, vincam de forma indelével essas recordações. as viagens são sem dúvida, cicatrizes que perduram para sempre!

    Bom fim de semana Teresa!
    Grande abraço!

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  6. Saudades não é gosto amargo.
    É uma lembrança amorosa
    Que a nossa alma goza
    Com preguiça de letargo
    Para sentir sem embargo
    O passado no presente
    Deixando de estar ausente
    Aquele gosto de amor
    Por tudo aquilo que for
    Afim ao sabor do fato
    Acontecido. E eu trato
    A saudade de um valor...

    A canção da pedra é maravilhosa também! Parabéns pelo magnífico texto e bela postagem! Abraço cordial. Laerte.

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  7. Sabe, que tive a impressão de que conheço tudo o que descrevestes com a mesma intimidade que revelas porque o meu olhar pelos teus olhos também perdeu os limites, as fronteiras, sobretudo me perdi achando-me em toda poesia que desbordou deste canto que se estende do Porto a Miranda do Douro. E como o Douro “saltei, encolhi-me, esbracejei e espraia-me infinitamente para nada perder deste mágico olhar.
    Cuide-se, pois é ainda é preciso. E uma boa semana!
    Beijos, minha amiga Teresa!

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  8. Olá, amiga Teresa, gostei muito de ler essa tua bela crônica, escrita nessa época confusa da pandemia, com suas lembranças agradáveis vividas em tempos dourados.
    Esperamos todos que passe logo esse triste período que esse mundo vive para refazermos os belos caminhos que antes trilhávamos.
    Uma excelente semana, com saúde e paz.
    Beijo

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  9. A Lua, as hortênsias, a música. Tudo a enquadrar na perfeição as suas recordações, tão belas e apetecíveis. Um percurso que dá vontade de fazer, repetir, reviver.

    Bela a sua escrita em prosa, minha Amiga Teresa. Aliás, não é a primeira vez que nos mima com este género que tão bem cultiva.

    Desejo-lhe um Verão bem passado, aproveitando o Sol e esse maravilhoso Douro que por vezes "chispa", para uns bons passeios.

    Beijinhos
    Olinda

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  10. Gostei do texto, bem disposto e que contextualiza o leitor.
    Continuação de boa semana, amiga Teresa.
    Beijo.

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  11. Como uma página especial de um diário...

    O amor ao nosso torrão é algo sagrado. Eu tenho mais do que um...

    Como sempre, é um prazer ler-te. Um Agosto risonho e feliz.

    Abraço grande, querida amiga.
    ~~~~

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  12. Um texto onde se vivência cada frase!
    👏👏👏... Bom fim_de_semana

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  13. Adorei acompanhá-la na sua viagem de regresso, Teresa... e adorei confirmar de onde vem a força, vitalidade, e frescor das suas palavras!... Que sempre nos contagiam com essa chispa de entusiasmo e arrebatamento, nos seus poemas e textos!...
    Um beijinho! Bom tê-la de volta, estimando que tenha tido óptimas férias! Bom fim de semana, e continuação de dias felizes!
    Ana

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