quarta-feira, 10 de julho de 2013

A garrafa de jeropiga


 entrei na adega e já adivinhava               
um tesouro nela agrilhoado
a sete chaves
...
as chaves de um chamamento amigo
a manobra na fechadura
ouvia-se no cimo do povo, certamente
gostei de franquear o portal de traça antiga
com tábuas cosidas a pregos por mãos de artista

entrei no empedrado miúdo do corredor enviesado
que parecia ter crescido com os dias
lenta e amorosamente
arrolhados estavam néctares apetecidos
ancestrais saberes escondidos

em garrafas e canecas demorava o olhar
concupiscente
mas logo seguia com avidez
o teu andar de contentamento e o sabor da vida
pairava no primor de cada detalhe
no suporte de cada garrafa especial
esculpido em madeira de árvore antiga

seguia entre teias de afeto
tecidas caprichosamente
enleava-me nos fios e não me importava
desfrutava do enredo, da ocasião
sentámo-nos no chão, junto ao pipo
e o ar de verão entrava pela janela de pedra
sem vidraça nem portada

 abriste a torneira, segurei o copo
o vinho e a conversa sabiam bem
e na naturalidade daquela tarde
como a folha de hedra enleada
desfrutava dos prazeres da adega
algo invulgar noutros tempos

não sei como, mas trouxe a garrafa de jeropiga
guardada a sete chaves no pensamento
Teresa Almeida

4 comentários:

  1. Gostei muito da tua "garrafa de jeropiga guardada a sete chaves no pensamento".
    Todo o poema é muito bom, mas o final é de ouro, talvez da cor da jeropiga...
    Teresa, minha querida amiga, tem um bom resto de semana.
    Beijinhos.

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  2. Uma semana depois, vim dar de beber à dor e beber mais um pouco da tua jeropiga.
    Com o passar do tempo, ficou melhor...
    Beijos, querida amiga Teresa.

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  3. Esta garrafa de jeropiga enfeitiça e endoidece os sentidos...

    Adorei estes sabores literários, assim como gosto muito do líquido, no real...

    Bjuzz, querida Teresa :)

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  4. Este teu poema, minha amiga Teresa, é outro que "guardarei a sete chaves". Tudo nele tem substância. Cheiros, texturas, ruídos e sons particulares, é como se o leitor penetrasse também nessa adega.

    Pintas teu poema como uma tela, rica em claro-escuros, tingida de tons de âmbar e aromas resinosos, o todo dentro de um bem-vindo epicurismo, pôsto que nascido do olhar cúmplice de Baco, este, quiçá, escondido entre as pipas....

    Saboroso poema, minha boa amiga, para se ler e degustar sem a menor pressa.

    Minha admiração, um carinhoso abraço.

    André

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