terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Asas Brancas


Por herança umas asas brancas,
asas que um poeta me deu.

Recordo que acreditava no voo,
mesmo não sabendo do poeta nem da herança.
Recordo-me de voar as primeiras escadas
que não sabia descer. Morava alto.
Qualquer dificuldade me traz ainda este voo
sem sobressalto. “Era tudo tão verdade!”
Confundia o sonho com a realidade,
mas sabia que tinha asas  e podia
voar as escarpas de um reino que não cabia em mim.

Em Aleppo, pássaros, tão verdes como eu fui,
acreditavam e sonhavam que a terra
era abrigo e poderia ser um poema de amor.
Mas afinal os passos são fontes de lágrimas
derramadas, sem caminho.
e só pedem ao mundo a devida proteção,
um pouco de carinho..

Quando falamos em bocas sem pão,
revolta-se o estômago, vomitam-se vitupérios
contra os que lhes roubam o próprio chão.
Até a alegria perdeu a razão,
o azul, mesmo no céu, tem rasgões vermelhos
e o chão, meu Deus, só tem pés a correr
sem saberem para onde vão.

A visão e o comando estão armados,
o diálogo é uma bala qualquer
e as luzes da cidade são lágrimas
a cair de árvores atrecidas.

Que o Inverno traga asas brancas
e a paz seja um lírio a rebentar
num sonho destroçado.
Que as palavras de revolta
sejam dilúvio a sarar feridas
e os gritos do planeta ecoem no firmamento.
Que o Natal seja nascimento e verdade
no coração da humanidade.

Teresa Subtil​
(Recordando Almeida Garrett)

4 comentários:

  1. Os homens têm esta particularidade: são capazes do melhor e do pior. E, como todos sabemos, quando o nosso lado mais negro vem ao de cima não costuma ficar pedra sobre pedra. Depois, por entre os destroços, qual milagre inexplicável, rompe uma flor aqui, outra ali, num eterno recomeçar...

    Um beijinho :)

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  2. Minha Amiga,

    Que preciosidade de partilha, uma leitura
    que me emocionou e inesquecível, muito grata
    por este momento!...

    Desejo que tu tenhas tido um natal harmonioso
    e abençoado junto com a tua família.
    Deixo o meu carinho com votos de um 2017
    luminoso, pacífico e pleno de realizações para
    ti e extensivos aos teus familiares.
    Que continuemos na nossa partilha de poesia,
    a voz da alma, da vida e das dores e das
    alegrias também...rss
    Um beijo grande e abraço de paz nesta tua
    alma repleta de Poesia!

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  3. «Em Aleppo, pássaros, tão verdes como eu fui,
    acreditavam e sonhavam que a terra
    era abrigo e poderia ser um poema de amor.»

    Os meninos de Aleppo, anjos de asas brancas, esperam ainda esse poema de amor.

    Beijo meu

    Lídia

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  4. "eu tinha umas asas brancas/asas que um anjo meu deu/ quando cansado da Terra/ batia-as, voava ao Céu/ (...)"
    A. Garret

    Perde-se, sim, a idade da inocência. e as dores da Humanidade são dias de chumbo.

    bem necessário seria que os donos do mundo tivessem o fulgor do voo e a agudeza do olhar, não digo de “anjobranco”, mas das altivas águias do Douro.

    belo e sensível poema
    gostei muito.

    beijo, amiga.

    que o Novo Ano seja repleto de felicidade para ti e aqueles que amas

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