DUES LHÉNGUAS
Andube anhos
a filo cula lhéngua trocida pula
oubrigar a
salir de l sou camino i tener de
pensar antes
de dezir las palabras ciertas:
ua lhéngua
naciu-me comi-la an merendas buí-la an fuontes i rieiros
outra ye
çpoijo dua guerra de muitas batailhas.
Agora tengo
dues lhénguas cumigo
i yá nun
passo sin dambas a dues.
Stou siempre
a trocar de lhéngua mei a miedo
cumo se fura
un caso de bigamie.
Ua sabe
cousas que la outra nun conhece
ríen-se ua
de la outra fazendo caçuada i a las bezes anrábian-se
afuora esso
dan-se tan bien que sonho nas dues al mesmo tiempo.
Hai dies an
que quiero falar ua i sale-me la outra.
Hai dies an
que quedo cun ua deilhas tan amarfanhada que se nun la falar arrebento.
Hai dies an
que se m’angarabátan ua cula outra
i apuis
bótan-se a correr a ber quien chega purmeiro
i muita beç
acában por salir ancatrapelhadas ua an la outra i a mi dá-me la risa.
Hai dies an
que quedo todo debelgado culas palabras por dezir i ancarrapito-me neilhas cumo
ua scalada
i deixo-las
bolar cumo música
cul miedo
que anferrúgen las cuordas que la sáben tocar.
Hai dies an
que quiero traduzir ua pa la outra
mas las
palabras scónden-se-me
i passo
muito tiempo atrás deilhas.
Antre eilhas
debíden l miu mundo
i quando
pássan la frunteira sínten-se meio perdidas
i fártan-se
de roubar palabras ua a la outra.
Ambas a dues
pénsan
mas hai
partes de l coraçon an que ua deilhas nun cunsigue antrar
i quando
s’achega a la puorta pon l sangre a golsiar de las palabras.
Cada ua fui
porsora de la outra:
l mirandés
naciu-me purmeiro i you afize-me a drumir arrolhado puls sous sonidos
i ansinou l
pertués a falar guiando-le la boç;
l pertués
naciu-me a la punta de ls dedos
i ansinou l
mirandés a screbir porque este nunca tubo scuola para adonde ir.
Tengo dues
lhénguas cumigo
dues
lhénguas que me fazírun
i yá nun
passo nien sou you sien ambas a dues.
Duas línguas
Andei anos a
fio com a língua torcida por a
obrigar a
sair do seu caminho e ter de
pensar antes
de dizer as palavras certas:
uma língua
nasceu-me comi-a em merendas bebia em fontes e ribeiros
outra é
despojo duma guerra de muitas batalhas.
Agora tenho
duas línguas comigo
e já não
passo sem as duas
Estou sempre
a trocar de língua com algum receio
como se fosse
um caso de bigamia.
Uma sabe
coisas que a outra não conhece
riem-se uma
da outra fazendo troça e por vezes zangam-se
fora isso
dão-se tão bem que sonho em ambas ao mesmo tempo.
Há dias em
que quero falar uma e sai-me a outra.
Há dias em
que fico com uma delas tão amarrotada que se não a falar expludo.
Há dias em
que se me entrelaçam uma na outra
e depois começam
a correr a ver quem chega primeiro
e muitas vezes acabam por sair enrodilhadas e eu
rio-me.
Há dias em
que fico completamente curvado com as palavras por dizer e trepo por elas como
uma escada
e deixo-as
voar como música
com medo que
enferrujem as cordas que as sabem tocar
Há dias em
que quero traduzir uma para a outra
mas as
palavras escondem-se-me
e gasto
muito tempo à procura delas
Entre elas
dividem o meu mundo
e quando
passam a fronteira sentem-se um pouco perdidas
e estão
sempre a roubar palavras uma à outra.
Ambas pensam
mas há
partes do coração em que uma delas não consegue entrar
e quando se
chega à porta põe o sangue a bolsar das palavras.
Cada uma foi
professora da outra
o mirandês
nasceu-me primeiro e eu habituei-me a dormir embalado pelos seus sons
quentes como
grossas cordas
e ensinou o português
a falar guiando-lhe a voz;
o português
nasceu-me na ponta dos dedos
e ensinou o
mirandês a escrever porque este nunca teve escola para onde ir.
Tenho duas
línguas comigo
duas línguas
que me fizeram
e já não
passo nem sou eu sem as duas
Amadeu
Ferreira
In
Cebadeiros, ed. Campo das Letras, 2000.
(Amadeu Ferreira é um autor de referência. É vasta a sua obra e sobejamente conhecido o seu amor e empenho na defesa e divulgação da língua mirandesa.)
Gostei de conhecer o texto. Não percebi tudo, mas deu para perceber como convivem as duas línguas: o mirandês e, presumo, o português. A mim também me acontece sonhar, não em mirandês, mas em francês, quando, volta não volta, leio mais livros franceses, ou vejo mais televisão francesa.
ResponderEliminarEmbora ache que dias nacionais ou internacionais disto ou daquilo muitas vezes só existem quando se apouca o que se comemora em tais dias, pergunto: não há um dia nacional da língua mirandesa?
Bjo
Bom domingo
Grata Lua Azul. Fico feliz por teres entendido o belíssimo poema de Amadeu Ferreira.
ResponderEliminarDeixo este vídeo sobre a tua pergunta. É a escola a maior garantia de continuidade. Temos, também, jornadas anuais de língua mirandesa e há muito caminho a desbravar. Estão a dar-se passos no sentido de ser integrada na carta europeia das línguas minoritárias.
https://www.youtube.com/watch?v=ckoCrrF1kBo
Obrigada. Gostei muito de ver os videos. É realmente importante não deixar morrer esta língua, por isso é bom ensiná-la nas escolas.
EliminarParabéns ao poeta. Amar a língua mirandesa é amar o chão onde se nasceu…
ResponderEliminarUma boa semana, Teresa.
Um beijo.
Teresa,
ResponderEliminarcomo eu invejo este dois versos:
Tengo dues lhénguas cumigo
dues lhénguas que me fazírun
i yá nun passo nien sou you sien ambas a dues.
ter duas línguas é algo parecido com ter duas mães
(digo eu que do mirandês guardo apenas ténues reminiscências)
não se passa, nem se é. sem ambas as duas!
grato
beijo, minha amiga
Resistir sempre
ResponderEliminarMe ha encantado este poema , tiene encanto, naturalidad y cuenta mucho y, finalmente, lo que a mi me maravilla es lo fácil qu e me resulta entenderlo todo. Me parece a mi que es una construcción del lenguaje que se parece más al español, no quiero decir que esté influenciado sino que, por la razón que sea, se construyen las frases de un modo muy semejantes y con palabras muy parecidas. Lo he pasado muy bien leyendo este texto. Me parece una buena idea que le rindas el homenaje que se merece como el lenguaje y como la cultura que representa. He encontrado algunas palabras que son identicas al asturiano. Un abrazo.
ResponderEliminarOlá, Teresa!
ResponderEliminarSomente com uma publicação anterior, e agora com esta, foi que vim a conhecer a língua mirandesa, que, como tudizes, é a segunda língua de Portugal.
Li com atenção o teu texto, Teresa, mas compreendi muito pouco.
Uma ótima continuação da semana.
Beijo.
Pedro
Vim até aqui guiado pela minha amiga Franziska.
ResponderEliminarTinha constância da existência deste idioma, mas nunca o tinha visto escrito.
Gosto daquilo que escreve.
Agradeço a divulgação.
Franzisca, fiquei muito feliz pelo teu interesse e não me surpreende que entendas bem o poema porque, como refere o autor e investigador Amadeu Ferreira " o mirandês, ou língua mirandesa, é o nome de uma língua falada no Nordeste de Portugal, já desde antes da fundação da nacionalidade portuguesa. Quanto à estrutura é uma língua românica, que teve a sua principal origem a partir do latim. Historicamente pertence à família de línguas astur-leonesas, onde também se incluem o asturiano e o leonês.
ResponderEliminarAté 1884 foi uma língua apenas oral. Desde então, tem sido também escrita, dispondo de uma Convenção Ortográfica desde 1999. Nomeadamente a partir do século XVI e apesar de ser uma língua falada em Portugal desde o começo da sua existência, o mirandês é uma língua menorizada quer em termos culturais e sociológicos quer em termos políticos...Em 1999, com a lei nº 7/99, de 29 de Janeiro, o mirandês foi oficialmente reconhecido como língua regional de Portugal."
Franzisca, costumamos promover, todos os anos, um encontro de blogueiros com o intuito de defender, preservar e divulgar a língua e cultura mirandesa. Apraz-me dizer-te que no próximo ano será nas Astúrias - Espanha.
Poderíamos encontrar-nos por lá. Que te parece?
Adorei encontrar-te por aqui.
Um abraço arrochado.
Pedro Luzo, é sempre grata a tua presença no meu blogue.
ResponderEliminarO mirandês é um património imaterial que faz parte da nossa identidade.
Essa foi a língua materna de Amadeu Ferreira, uma língua, de sonoridade "amerosa", em que ele gostava de se dizer.
Beijinhos, meu amigo.
A riqueza, o amor e o respeito, pelas duas línguas... indissociáveis para Amadeu Ferreira... tocaram-me particularmente, as suas palavras... "o português nasceu-me na ponta dos dedos e ensinou o mirandês a escrever porque este nunca teve escola para onde ir..." Quanta riqueza cultural se vai perdendo, de geração para geração... quando preciosidades assim... simplesmente não são preservadas... noto isso também aqui onde moro... as gerações anteriores eram portadoras de saberes ancestrais... que não tem sido devidamente transmitidos e preservados, para as gerações seguintes... de uma riqueza imensa, em várias vertentes... desde receitas várias, a expressões populares... pequenos segredos utilitários para tantas situações do dia a dia... e tudo simplesmente... se vai esvaindo... e caindo no esquecimento... a favor do presente... tantas vezes, bem mais oco em consistência e valores...
ResponderEliminarGostei imenso deste post, Teresa!
Beijinho! Continuação de uma óptima semana!
Ana
Olá, Teresa
ResponderEliminarTentador ler o primeiro texto em lhéngua mirandesa e procurar perceber tudo, sem recorrer ao texto em português. E foi o que fiz - devagarinho, devagarinho consegui. A musicalidade da língua é preciosa e as palavras do autor fazem-nos sentir parte integrante dessa outra vivência. Obrigada por trazê-lo ao nosso conhecimento.
Gostei muito das informações que disponibilizou mais acima, a propósito de um comentário. Pela sua explicação se vê que a Língua Mirandesa faz parte da nossa História. Ela deveria fazer parte do currículo escolar.
Beijinhos
Olinda
É tão rico este post, culturalmente falando, Teresa!
ResponderEliminarLá fui lendo o mirandês e fui tirando umas palavras pelas outras com "olhinhos"-rs de vez em qdo para o texto em Português.
Ter duas Línguas é, de facto, importante. Sentimo-nos mais em casa, afinal, somos detentores de duas "fortunas", não é?
Parabéns a Amadeu Ferreira!
Beijos e resto de boa semana.
Querida Olinda,
ResponderEliminarjá lá vão 34 anos desde a primeira aula de língua mirandesa. A partir do ano letivo 2009/2010 o ensino do mirandês é feito de forma contínua, desde o pré-escolar até ao secundário.
"O ensino da Língua e Culta Mirandesa é um projeto consolidado. É com orgulho que digo que temos tido, ao longo dos anos, mais de 60% dos alunos que frequentam o AEMD inscritos nesta disciplina opcional", explicou à Lusa o diretor do agrupamento de escolas, António Santos.
O mirandês é, para mim, um desafio e uma paixão.
Beijinhos.
Beijinhos.
Beijinhos.
Um caso sério de bigamia linguística.
ResponderEliminarNão conhecia nada do poeta, mas gostei imenso. Obrigado pela partilha.
Teresa, continuação de boa semana.
Beijo.