terça-feira, 10 de dezembro de 2019

"Podia ter sido"




   



Era o primeiro de Dezembro quando desembocámos no monumento natural Las Médulas – Leon –formações resultantes de extrações de ouro, há mais de 2000 anos e declarado património mundial pela UNESCO. É a maior exploração, a céu aberto, de todo o império romano. Podia ter sido outro o local para festejar o primeiro de Dezembro. Neste era mesmo improvável, mas tínhamos ido a Chaves, ao lançamento do livro do amigo José Maldonado e estávamos mais próximos daquela paisagem de uma beleza singular. Pareceram-me próximas e outros dizem que estão muito distantes. Depende do local de partida e do deslumbramento à chegada. Entrámos no primeiro restaurante para não perdermos tempo. Entre grafonolas e artigos agrícolas fomos bem servidos: “botillo del Bierzo” e “café de puchero”. A casa fora feita pedaço a pedaço num barracão que o casal havia comprado há anos. Tinham vindo de França onde o trabalho era ainda mais duro. Vendiam todos os objetos do espaço exceto a grafonola que nos interessava. Por ali havia aparelhos musicais muito antigos. Despojavam-se de tudo, mas da música não. E havia visita guiada aos tesouros. Apetecia-nos ficar mais um pouco, mas era urgente partir porque as tardes de Dezembro são muito curtas. Prometemos voltar.

Poderia ter chovido como estava programado, mas o tempo abriu alas e até permitiu que entrássemos em grutas apertadas, com chapéu de lata e foco na mão. Três graciosas espanholas fizeram-nos companhia. Poderiam ter estado noutro local, mas passaram por ali e deram-nos indicações preciosas. “Afinal as galerias já abriram” diziam elas e eu nem queria acreditar na hipótese de me debruçar naquela varanda pendurada num abismo surreal. A terra e a pedra aglomeradas apresentavam tons vermelhos e alaranjados. Os morros lembravam as chaminés de fada da Turquia pela exuberância e pelo mistério. Castanheiros e carvalhos implantavam-se com arte num ambiente febril. Envolviam-nos melodias de há dois mil anos e só as ouve quem lhes pressente a evasão. Deveria haver horas de descanso, música e poesia para alimentar o espírito. Só poderia ser assim. Há pessoas predestinadas para se guindarem às estrelas após árduos trabalhos e projetos de futuro. Garimpavam ouro com técnicas especiais.
Poderíamos não ter vindo ao lançamento do livro “Podia ter Sido”, mas ainda bem que viemos e ouvimos da voz do autor que caminhos outros poderia ter andado, mas foram aqueles os que trilhou.
Na verdade, talvez tivéssemos visto só metade da paisagem, mas valeu a pena. Regressámos ao hotel Termas que nos agradou sobremaneira. Boa relação preço-qualidade. Logo à entrada o perfume era de bem-estar, o que à partida é uma nota de boas-vindas. Limpo, cuidado e sem pretensões. Escolha acertada, pensava eu. Pessoal do tipo familiar e o pequeno-almoço também. “Prove a minha compota de abóbora! dizia-me a responsável. O rapaz da receção acompanhou-nos e resolveu de imediato as ligações tecnológicas ao mundo a que estamos habituados.
Há pessoas que vestem Zara e parecem uns príncipes e outras que vestem grandes marcas e parecem espantalhos, disse isto (mais ou menos) no último programa Prós e contras” o jornalista Luís Osório. Concordo
Poderia não ter acontecido, mas na manhã do dia seguinte acordaram-nos as saudades dos amigos e com eles caminhámos por uma cidade onde não faltam lojas com boas marcas e onde os buracos surgem a cada passo porque em cada espaço, que é preciso remodelar, surgem ruínas romanas e já sabemos que ninguém avança sobre achados arqueológicos. O cordeiro assado no forno era do outro mundo. Já na despedida, passámos pelo Hotel Vidago onde, em tempos áureos, eu e a minha amiga participámos num seminário. Agora os preços são para elites e os campos de golfe também.
Desta vez a separação doeu mais um pouco. E nós seguimos em direção ao Porto onde a magia da cidade invicta era sublinhada pelas iluminações de Natal.
De facto, podia ter sido outro o destino do fim de semana, mas registo-o porque me soube a amizade, a história, a beleza paisagística e a gastronomia transmontana.

Teresa Almeida Subtil
01-12-2019




15 comentários:

  1. Belo texto e bom passeio!
    Minha alma ainda passeia
    Contigo, teus versos e a veia
    Poética tua, onde enleio

    Meus sonho com teus, em meio
    Linguajares, de alma cheia
    Da luz tua, que semeia
    O verbo como um esteio

    De teu verso tão perfeito
    Em duas línguas, do jeito
    Como canta Portugal

    De Dom Diniz ou Camões.
    Teresa, tuas lições
    São a mim um recital!

    Grande abraço! Laerte.

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  2. Querida Teresa

    "Podia ter sido" mas não foi, o que me deu a oportunidade de poder ler um dos seus mais lindos textos. E não há como não nos embrenharmos nesse passeio que tão bem descreve e segui-la passo a passo. Não só pelo prazer de viajar no passado mas também de estarmos, no presente, a acompanhá-la no seu intuito de assistir ao lançamento do livro do seu amigo, José Maldonado, e de estar com os amigos.

    Daqui levamos esses belos momentos, que, maravilhosamente, partilha connosco.

    Muito bela a sua escrita e a sua sensibilidade, minha amiga.

    Beijinhos

    Olinda

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  3. Lindas imagens e belo texto caloroso!

    Abraço

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  4. Um lugar absolutamente incrível, que eu desconhecia!...
    Grata por ter partilhado o espírito, desse dia tão especial, Teresa, através das suas emotivas palavras!... E que as soberbas imagens, complementaram comprovando a extraordinária beleza e fascínio, desse local!...
    Beijinho! Desejando-lhe a continuação de uma feliz semana...
    Ana

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  5. As imagens são muito bonitas, o lugar parece ser de uma beleza realmente singular. Pude me sentir um pouco lá através das tuas palavras, teu relato tão bem descrito, Teresa. Um beijo.

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  6. Querida Amiga.
    Foi, nesmo, uma maneira maravilhosa de iniciar o seu Dezemhro.
    Gostei de a ler.
    Continuação de ótimo prelúdio de Natal...
    O meu abraço afetuoso.
    ~~~~~~

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  7. um texto encantador, Teresa!
    num registo intimista e poético que de ti "fala"
    e do teu talento literário.

    jogas muito com essa suspensão semântica "podia ter sido",
    levando o texto e o leitor para "regiões" outras, que não apenas a paisagem, a culinária, o livro, a viagem...

    amei o texto- brilhante.
    beijo

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  8. Não fazia ideia nenhuma dessa exploração de ouro dos romanos de há 2.000 anos.
    Parabéns pelo texto, gostei imenso.
    Teresa, um bom fim de semana.
    Beijo.

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  9. E pela sua brilhante descrição foi certamente um excelente e enriquecedor fim de semana.
    Beijinhos
    Maria

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  10. Que forma linda de começares o mês de Dezembro. E que bem que relataste tudo, Teresa.
    As fotografias são maravilhosas.
    Que tenhas um Natal cheio de conforto e um ano de 2020 com tudo o que desejas.
    Um beijo, minha Amiga.

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  11. Teresa, passei para te desejar um bom fim de semana.
    E um Feliz Natal.
    Beijo.

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  12. Passei para verificar se havia novidades...
    Dias felizes.
    Beijinhos, querida Amiga.
    ´~~~~

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  13. A Teresa palmilhando interioridades, sempre. Andas por bons trilhos, sem dúvida.

    Um Feliz Natal!

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  14. Quando as descrições de uma narrativa nos envolvem com
    os pormenores onde deixas que se visualize o que te impressiona , não há como não ficar preso no enlace das tuas palavras .
    A magia do lugar faz o resto é que tão bem soubeste captar para no lo transmitir com elegância e mestria .
    Momento lindo , querida amiga Teresa
    E aproveito para te desejar um santo e Feliz Natal 🎄
    Abraço ❤️

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