Teias de afeto
Entrei na adega e já adivinhava
um tesouro nela agrilhoado
a sete chaves,
as chaves de um chamamento amigo.
A manobra na fechadura
ouvia-se no cimo do povo, certamente.
Gostei de franquear o portal de traça antiga
com tábuas cosidas a pregos por mãos de artista.
Entrei no empedrado miúdo do corredor enviesado,
que parecia ter crescido com os dias,
lenta e amorosamente.
Arrolhados estavam néctares apetecidos,
ancestrais saberes escondidos.
Em garrafas e canecas demorava o olhar,
concupiscente,
mas logo seguia com avidez
o teu andar de contentamento. E o sabor da vida
pairava no primor de cada detalhe,
no suporte de cada garrafa especial,
esculpido na madeira de árvore antiga.
Seguia entre teias de afeto,
tecidas caprichosamente.
Enleava-me nos fios e não me importava,
desfrutava do enredo, da ocasião.
Sentámo-nos no chão, junto ao pipo
e o ar de verão entrava pela janela de pedra
sem vidraça nem portada.
Abriste a torneira, segurei o copo:
o vinho e a conversa sabiam bem!
E na naturalidade daquela tarde,
como a folha de hera enleada,
desfrutava dos prazeres da adega.
Não sei como, mas trouxe a garrafa de jeropiga
guardada a sete chaves no pensamento.
Telas de carino (língua mirandesa)
Antrei na dega i yá adebinaba
un tesouro neilha agrilhonado
a siete chabes,
las chabes dun chamamiento amigo.
La manobra na fechadura.
oubie-se, a la cierta, a la punta de riba de l pobo.
Gustei de scancarar l portal de calatriç antigo
cun trabas cosidas a crabos por manos d'artista.
Antrei ne l ampedriado menudo de l corredor retrocido
que parecie tener crecido culs dies,
debagarosa i amorosamente.
Arrolhados stában nétares apetecidos,
ancestrales saberes scundidos.
An garrafas i jarras s’ amboubaba l mirar,
sensual,
mas lhougo seguie cun deseio
l tou andar de cuntento. I l sabor de la bida
bie-se na perfeiçon de cada cachico,
ne l assiento de cada garrafa special,
sculpido na madeira d'arble antiga.
Seguie antre telas de carino,
tecidas cun smero.
Anredaba-me ne ls filos i nun me amportaba,
çfruitaba de l anleio, de l’oucasion.
Sentemos-mos ne l suolo, an pie de l cubete
i l aire de berano antraba pula jinela de piedra
sien bidraça nien portalada.
Abriste la torneira, sigurei l copo:
l bino i la cumbersa sabien bien!
I na naturalidade daqueilha tarde,
cumo la fuolha de yedre anroscada,
çfruitaba de ls prazeres de la dega.
Nun sei cumo, mas truxe la garrafa de jeropiga
guardada a siete chabes ne l pensar.
Senti-me contigo neste encontro e nesta teia, embora seja alentejana, mas, eu sei, todos sabemos que as teias não têm terra.
ResponderEliminarExcelente o teu poema, abrilhantado com a música, que já não ouvia há muito.
Beijos e boa semana, Teresa!
Olá, Teresa!
ResponderEliminarGostei do seu "Teias de afeto", um belo poema, que se inicia com estes versos:
"Entrei na adega e já adivinhava
um tesouro nela agrilhoado
a sete chaves,
as chaves de um chamamento amigo."
Uma boa continuação da semana, Teresa.
Beijo.
Pedro
que melhor sala de vistas que a adega, Teresa?
ResponderEliminara adega é um lugar, diria (quase) "secreto", em que apenas eleitos e iniciados têm acesso.
o poema é muito belo, como belo será o quadro "naturalista" se um dia te dignares pintá-lo! apenas me intriga a tua opção pela "insonsa" jeropiga, quando as paredes são forradas de velhas garrafas de "vinho fino", verdadeiro néctar dos deuses! rss
gostei muito. beijo, minha amiga
ResponderEliminarQuerida Teresa
Nessa teia gostaria eu de me envolver, com tudo o que é expresso nesse ambiente intimista e de grande amizade e confiança. Um tesouro fechado a 'siete chabes' mas que agora se franqueia e deixa a descoberto sabores antigos a misturarem-se com momentos de puro enleio, em que:
l bino i la cumbersa sabien bien!
I na naturalidade daqueilha tarde,
cumo la fuolha de yedre anroscada,
çfruitaba de ls prazeres de la dega.
E a língua mirandesa a deixar tudo ainda mais doce.
Beijo
Olinda
E com teias de afectos no coração, se constroem poemas que encantam a alma de quem lê.
ResponderEliminarBelíssimo poema!!!
beijinhos
Maria
Divagar Sobre Tudo um Pouco
Uma adega com um sabor poético muito especial.
ResponderEliminarGostei imenso, parabéns pela excelência deste poema.
Teresa, um bom fim de semana.
Beijo.
A jeropiga deve ser da melhor qualidade. "E o sabor da vida pairava no primor de cada detalhe, no suporte de cada garrafa especial, esculpido na madeira de árvore antiga. Uma adega muito especial feita de afectos…
ResponderEliminarMuito bom, Teresa.
Uma boa semana.
Um beijo.
Eis um lugar que nunca senti: nunca entrei numa adega e só as conheço
ResponderEliminarindiretamente por fotografia ou filme.
Sentimos palpitar no poema a quase veneração de um lugar que preserva,
tesouros e saberes, como um elo familiar forte e precioso.
Gostei sobremodo do poema que descreve sentimentos que desconhecia.
Desejo-te dias aprazíveis e inspirados.
Abraço, querida Amiga.
~~~
Gostei de reler (e saborear, como se fosse uma boa jeropiga...) este magnífico poema.
ResponderEliminarTeresa, um bom fim de semana.
Beijo.
Entrei, minha amiga Teresa, nesta adega poética, passo ante passo e de olhos
ResponderEliminarabertos no passado, como quem conhece os caminhos felizes. Provei dessa jeropiga
guardada com chave grande, como a da minha avo’ que atava ao avental.
A primeira bebedeira (literal) que apanhei, foi quando ao pipo encostei
os lábios e abri a torneira…
Desta frescura, ainda de Verão distante, chega-me pela brisa, toda a atmosfera
encantada desse pequeno refúgio. Bebo a isso, agora que, com os anos passados,
já’ o enjoo (da jeropiga) foi eliminado.
Da música, só ouvindo – como eu oiço amiúde – este cd que há’ muito tempo tenho,
para constatar a qualidade e beleza desta recolha da música popular portuguesa.
Gostei muito do poema.
Um bom fim-de-semana,
Com um beijo amigo.
LuisM Castanheira (já tinha comentado, mas não saiu)
Olá, Teresa!
ResponderEliminarO poema molda-se ao sabor do vinho, em garrafas, em pipas ou já no cálice próximo aos lábios. Gostei do poema, minha amiga.
Uma boa semana, Teresa.
Um beijo.
Pedro
Adorei o sabor deste néctar de afectos, memórias e cumplicidades, através deste seu belo poema, Teresa, que nos remeteu para ambiente tão especial...
ResponderEliminarUm beijinho grande! Votos de uma feliz e inspirada semana!
Ana
Nunca uma adega foi tão brilhantemente cantada . A jeropiga convida ao descolar do tempo para uma outra dimensão , outras paragens . Contigo foi um convite ao romântico odor da adega fresca e sombria onde pousam os deuses .
ResponderEliminarUm poema descritivo onde nos levas contigo !
Um beijinho , Teresa !
O poema e a poeta
ResponderEliminarmerecem um bom vinho
Bj