E o perfume?
Hei-de levar as palavras desajustadas, duras e toscas
e delas farei rústicos peitoris onde se espelhará a alvorada.
Hei de atirar a raiva pelas janelas, e elas só poderão ser azuis
com caixilhos de luar. As rendas e as cortinas serão esburacadas,
marcadas e furadas pelos beijos de sol e até de vento.
O meu poema terá que ter ritmo, calor, movimento.
Nascerá pela tarde à hora do sol-pôr e lutará contra
a torrente que força o rio a escurecer. Serei verde, sempre verde,
e viverei na alegria da oliveira e no romantismo da laranjeira.
Será na árvore milenar, na pele duramente enrugada,
nos nós gretados de ausências, de precariedade,
que os ninhos de esperança terão lugar. Dela penderá o cântaro,
abraçado pela cintura da tarde, só para ver a sede acontecer.
Quero ser o sumo das palavras espalhadas pelo pomar,
morto de saudades. Meus cabelos serão líquenes
em cinzento prateado, plenos de liberdade. Do azedume
farei vigílias. As portas irão abrir-se aos pardais
desamparados. Presente estará sempre o amor. E o perfume?
Virá do jasmim, entrançado na parede, alicerce do poema,
e percorrerá a varanda voltada a nascente.
I l prefume?
Hei-de lhebar las palabras zajustadas, duras i mal andonadas
i deilhas fazerei rústicos peitoriles adonde se spelhará l'ourora.
Hei d'atirar la rábia pulas jinelas, i eilhas só poderan ser azules
cun queixilhos de lhuna. Las rendas i las cortinas seran sburacadas,
marcadas i furadas puls beisos de sol i até de biento.
L miu poema deberá tener cumpasso, calor, córrio.
Nacerá pula tarde a l'hora de l çponer l sol i lhuitará acontra
la torriente que lheba l riu a scurecer. Serei berde, siempre berde,
i bibirei na alegrie de l'oulibeira i ne l remantismo de la laranjeira.
Será na arble milenar, na piel duramente angurriada,
ne ls nuolos sgretados d'ouséncias, sien speques,
que ls nials de sperança teneran lhugar. Deilha se colgará l cántaro,
abraçado pula cintura de la tarde, solo para ber la sede acuntecer.
Quiero ser l çumo de las palabras spargidas pul pomar,
muorto de soudades. Mius pelos seran patrielhas
an cinza pratiado, chenos de lhiberdade.De l azedume
fazerei begílias. Las puortas eiran abrir-se als páixaros
zamparados. Persente stará siempre l amor. I l prefume?
Benerá de l jasmin, antalisgado na parede, pie-de-amigo
de l poema, i zinará pula baranda birada a naciente.
Teresa Almeida Subtil
(in Rio de Infinitos/ Riu d'Anfenitos)
Teresa, é um enorme prazer ler as tuas palavras, dar-lhes vida, senti-las como ode à glorificação da vida.
ResponderEliminarMuito bem!
Um beijinho :)
"o cântaro, abraçado pela cintura da tarde, só para ver a sede acontecer". Que beleza! O poema é excelente. O perfume do jasmim chegou-me aqui onde te leio.
ResponderEliminarUma boa semana.
Um beijo.
Teresa,
ResponderEliminarum momento raro de emoção estética, este teu poema!
beijo, minha amiga
leio e perco-me na beleza das imagens, saboreando lentamente o "sumo das palavras espalhado no pomares" e rendo-me, qual "pardal desamparado" no perfume de jasmim com que entrelaças o "alicerce do poema" com a "varanda voltada a nascente"!
que encantadores horizontes (poéticos) se desprendem dessa tua varanda (do tempo)
Olá, Teresa!
ResponderEliminarGostei muito de "E o perfume?", do qual escolhi estes belos versos, que transcrevo:
"O meu poema terá que ter ritmo, calor, movimento.
Nascerá pela tarde à hora do sol-pôr e lutará contra
a torrente que força o rio a escurecer. Serei verde, sempre verde, e viverei na alegria da oliveira e no romantismo da laranjeira.
Parabéns, minha amiga.
Um beijo.
Pedro
Este poema é soberbo.
ResponderEliminarParabéns pelo talento que as tuas palavras tão bem revelam.
Continuação de boa semana, amiga Teresa.
Beijo.
"Presente estará sempre o amor.
ResponderEliminarE o perfume?
Virá do jasmim, entrançado na parede, alicerce do poema,e percorrerá a varanda voltada a nascente."
...
Belo momento poético!
Obrigada pela visita
Perfume da paixão e do amor.
ResponderEliminarA tua bela poética sempre envolvente e
sedutora no encantatório das palavras...
Parabéns, querida poetisa.
Beijinhos.